/A aviação no Brasil e a crise da Varig: quem perde?

Data: 
28/06/2006
Autor: 
*Heloisa Márcia Pires, D.Sc.

Na década de 70, a liberalização do mercado americano de aviação comercial doméstica implicou em grandes transformações. O período de ajuste representou uma turbulência para as empresas que operavam na indústria. Houve, então, uma mudança no conjunto das companhias aéreas que lá atuavam. A maior do mundo, naquela época, a tradicional Pan Am, encerrou suas operações. Enquanto isso, outras empresas entraram no mercado. O mesmo caminho foi seguido pelos países da União Européia, em 1997, com a desregulamentação do setor. Os céus europeus foram considerados como o de um só país no que se refere à aviação doméstica comercial.

Nos dois casos, o que se perseguia era a queda de tarifas que viriam a beneficiar o consumidor, possibilitando que um número maior de pessoas voasse, com economia de tempo no transporte. Este argumento é claro quanto as suas vantagens, não havendo dúvidas sobre seus ganhos sociais, mesmo no caso de ter que suportar a saída de empresas tradicionais que, por qualquer motivo, não puderam continuar operando. No entanto, estes fatos aconteceram em economias fortes, em que, pela pujança financeira, existe a possibilidade do mercado se ajustar com rapidez, através da entrada de novas empresas, que podem absorver a mão-de-obra disponível. Para esta indústria, que é intensiva em capital e tecnologia, nestas sociedades, estes recursos são facilmente encontrados.

Mas e o caso do Brasil? A sociedade brasileira segue a idéia de liberdade econômica, que implica na existência de mercados competitivos sem barreiras legais para novos entrantes. Isto significa a possibilidade de qualquer empreendedor poder atuar assumindo todas as responsabilidades do seu negócio sem a participação ou envolvimento do poder público.

Como fica o mercado doméstico de aviação comercial brasileiro após a liberalização que foi iniciada em meados da década de 90? E o mercado internacional? Já vimos à falência da Transbrasil e da Vasp. Agora estamos assistindo ao sofrimento das pessoas envolvidas com a Varig e a ausência de empreendedores nacionais com capital e conhecimento suficientes para ocupar o espaço disponível.

Somos um país continental com renda per capta baixa e provavelmente não teremos volume de tráfego suficiente para dar oportunidade de muitas empresas atuarem. Não se pode considerar o mercado doméstico brasileiro pelo padrão de volume da ponte aérea Rio-São Paulo. Se tivéssemos muitas rotas equivalentes a esta em todos os cantos deste país não teríamos problemas. A questão é que não as temos e somos um país de extensão continental. Uma solução viável para as rotas de baixo tráfego é a empresa regional, que pode atender a pequena demanda com aviões menores compatíveis com este volume.

Fazendo uma comparação grosseira, somos territorialmente grandes como os EUA e a Europa, mas não temos sequer a metade do tráfego aéreo de um dos dois. A possível e desejada queda de tarifas no Brasil, se acontecer, proporcionará um aumento do tráfego. No entanto, sem alterar a renda per capta será que este crescimento vai ser o bastante para termos empresas de grande porte no setor? Precisamos de empresas que tenham aeronaves com autonomia de vôo para atender ao mercado internacional. Este é regulado por acordo bilateral entre as nações. Por exemplo, em 2002, o Brasil tinha um acordo com os EUA de 105 freqüências semanais, segundo dados do Departamento de Aviação Civil. Assim, empresas de bandeira americana poderiam pousar no Brasil, bem como empresas de bandeira brasileira poderiam pousar nos EUA nesta freqüência. Os EUA utilizavam 93% de sua capacidade, enquanto o Brasil somente 47%. A principal razão desta diferença não era a falta de brasileiros viajando e sim a oferta de vôos brasileiros para este destino. Se a Varig sair do mercado, este percentual do Brasil cairá ainda mais. Mas, no que isto importa? O fator mais relevante a salientar é a garantia de empregos a outros países em prejuízo dos brasileiros.

Estamos numa crise de identidade? Será que podemos lidar com a questão da aviação comercial doméstica e internacional como os países desenvolvidos? E se não formos capazes de fazer adaptações a esta idéia de liberalização, quem vai perder? Possivelmente, a sociedade brasileira.

*Pesquisadora da COPPE / Professora da Faculdade de Administração da UFRJ