/Amyr Klink Lota Auditório na COPPE

Data: 
02/07/1999

 

O "navegador solitário", Amyr Klink, esteve na COPPE, no dia 31 de maio, para abrir o ciclo de palestras "Novos Rumos". O navegador solitário falou sobre empreendedorismo e impressionou a platéia , tanto por seus relatos de 

viagens, como pela exposição do processo de organização e planejamento que antecede cada partida. Um mês após retornar da Antártica, 141 dias de viagem, Amyr falou para uma platéia de cerca de 200 pessoas que lotaram o auditório da COPPE para ouvir o navegador falar sobre a "maratona" que antecede cada expedição.

Gaivotas, baleias e tubarões

Do projeto a execução

"O segredo dos projetos está na persistência de perseguir os detalhes e os resultados acabam surgindo da soma desses pequenos desempenhos", afirmou Amyr. Persistência e empreendedorismo, aliás, são qualidades triviais na vida deste navegador que, aos 29 anos, resolveu concretizar um antigo sonho, tornando-se o primeiro homem a atravessar o Atlântico num barco a remo de seis metros de comprimento. Uma saga que levou cem dias de travessia, entre o céu e o mar, e que ao longo de 7 mil km teve como únicas testemunhas, gaivotas, focas, baleias e tubarões. "Ser empreendedor não é apenas montar uma empresa, mas apostar em um projeto pessoal, criando soluções simples e criativas"- afirma.

Mas o êxito das viagens podem ser explicadas pelo perfeccionismo com que ele cuida de cada detalhe. Lição aprendida com a nutricionista Takako, que organiza todo o cardápio consumido nas viagens. Ao experimentar a comida que levaria na expedição, Amyr encontrou só três ameixas no saquinho. Questionada pela avareza, ela alegou que se colocasse mais uma frutinha, seriam 12 gramas acima da capacidade do barco. Amyr levou 169 mil refeições e tudo tinha sido milimetricamente planejado. Foi aí que ele percebeu como os pequenos detalhes podem assumir proporções impressionantes. "Adoro a simplicidade, observar como pequenas coisas podem compremeter os grandes projetos".

Mensagem de bom marinheiro

O recado para os jovens que estão saindo da Universidade, Amyr tira das próprias experiências. Formado em economia pela PUC/SP, ele trabalhava com análise financeira e vivia insatisfeito com a rotina que levava. Mesmo considerando que a Universidade não está preparada para dar o suporte necessário aos estudantes, ele acredita que o espaço ainda é um privilégio, uma oportunidade de se avaliar os caminhos a serem seguidos. "A faculdade foi uma fase muito importante da minha vida, que me levou a questionar e despertar sobre o que eu estava fazendo e a partir daí fui atrás dos meus objetivos", avalia.

Indagado certa vez sobre a utilidade das expedições, Amyr respondeu que, na verdade, elas não servem para nada, mas ensinam sobre a forma como nós concretizamos nossas metas. "A motivação não está apenas em fazer a viagem, mas planejá-la, cuidando para que tudo dê certo, organizando cada etapa".

Como diz o próprio Amyr, em seu livro Cem Dias Entre o Céu e o Mar, "... que mais poderia alguém no mundo desejar do que olhar nos olhos das baleias, conversar com as gaivotas sobre os azimutes da vida, procurando durante cem dias e cem noites um único objetivo e, subitamente, tê-lo diante dos olhos, ao alcance dos pés, numa tranquila tarde de terça-feira?".

Mas o melhor de tudo, é ter a chance de compartilhar das aventuras de Amyr, lendo seus relatos de viagem e participando dos dias de tempestade em alto mar, com ondas de oito metros de altura; do comovente encontro com a "creche das baleias"; e da emoção da chegada, na praia da espera, em Salvador, após remar 32 horas consecutivas na última etapa de viagem.

Enquanto ele não transforma em livro sua última façanha, resolvi dividir com o leitor o trecho abaixo do último capítulo, que é um dos meus preferidos.

"Um tuc-tuc....tuc-tuc-tuc ... surgiu por trás. Infalível barulho que eu conhecia muito bem. ... Era um sofrido e minúsculo saveirinho com dois pescadoresem cima e mais limo no casco do que uma plataforma submarina". Tonho das Neves e Tonho de Oliveira eram seus nomes. Chegaram perto, a uns quinze metros. O primeiro, ... berrou com força:

- Como foi a pescaria?
- Não estou pescando! - respondi, admirado com as rodelas de fumaça que subiam inteiras.
- De onde vem vindo, então? - insistiu
- Venho da África! Exclamei
- E onde fica essa praia?

Expliquei que era mais ou menos longe dali. O homem sorriu sem entender, com todos os dentes à mostra, e após me orientar sobre como encontrar a passagem nos recifes, pediu-me:

- Avisa o Doró que a gente só volta na Sexta!

E eu parti na mais importante missão da minha vida: após cem dias completos, sem falar com alguém cara a cara, subitamente estava incumbido de levar um recado, em pessoa, para outro pescador que tampouco conhecia".

A mais recente viagem
A expedição mais recente foi concluída, no dia 21 de março de 99, contornando o continente Antártico. Como Amyr gosta mesmo é de olhar o planeta em projeções polares, ele decidiu seguir o caminho dos grandes albatrozes. Esta foi a primeira circunavegação em solitário do continente, realizada em apenas 79 dias. Amyr deu a volta ao mundo pelo caminho mais curto e também o mais difícil. Cruzando os oceanos Atlântico, Índico e Pacífico, ele enfrentou ondas de mais de 20 metros, além de precisar manter atenção redobrada ao desviar de icebergs gigantescos na Antártica.

Em 1989, ele já havia navegado por mais de 50 mil quilômetros, alcançando na mesma viagem os Pólos Sul e Norte. Desta vez, Amyr pôde contar com apoio de tecnologias de ponta. Pelo celular global Iridium, conectado a 79 satélites inteligentes, ele recebia boletins metereológicos diários. Graças também ao novo mastro de tecnologia inglesa, o veleiro Paratii foi capaz de resistir às mais severas tempestades, só no Pacífico ele atravessou 18. O barco é o orgulho do navegador que, com soluções simples e funcionais, conseguiu bater todos os recordes de velocidade.

Na volta para casa, um pequeno descuido quase põe tudo a perder. Amyr estava fazendo uma revisão no motor, quando o barco virou com uma onda. Ele estava próximo a uma entrada de plataforma, o trecho mais perigoso no mar. Ficou preso na casa de máquinas por 15 minutos. "Foi aquele velho defeito de comemorar antes de ganhar", lamenta. Tudo resolvido, a chegada aconteceu antes do previsto, dois dias antes do aniversário das filhas gêmeas.

Mas como navegar é preciso, a próxima empreitada já está sendo planejada. Amyr pretende seguir em direção à China, passando pelo Ártico, o que deve durar tês anos, contando com os imprevistos. Ele agora vai acompanhado de tripulação, " não por solidão", esclarece, simplesmente porque já esgotou sua cota de sorte viajando sozinho. Na tripulação, as filhas gêmeas e a mulher já têm lugar garantido.