/Ao Vencedor as Batatas
O título acima vem a propósito da expressão “batatada” atribuída ao Presidente Fernando Henrique, ao anunciar o fim do racionamento de energia elétrica. Em suas declarações o presidente deu a entender que as críticas de alguns professores à crise elétrica eram “batatadas” injustificadas, pois afinal ela não foi tão má para o país. Mal comparando, imaginem se, ao fim da epidemia de dengue uma autoridade declarar que os efeitos da doença não teriam sido tão maus, já que a epidemia terá passado.
É curioso que no início do romance Quincas Borba, no qual Machado de Assis usou a expressão que dá o título deste artigo, o personagem Rubião, refletindo sobre a mudança na sua vida, exclama: que era apenas um professor e passou depois a ser um capitalista! O Presidente não passou a ser um capitalista, mas era também um professor antes de se tornar senador e presidente.
Para analisar a gestão da crise é interessante partir da gestação da mesma. Ela se deu devido ao fracasso do modelo de privatização do setor elétrico, pois grupos privados e estatais estrangeiros foram atraídos para comprar a maior parte das distribuidoras e algumas geradoras importantes, mas não promoveram a expansão necessária da oferta de energia. As geradoras, como Furnas, que dispunham de recursos foram proibidas de investir, de acordo com os compromissos assumidos com o FMI. Ademais, elas perderam a obrigação de expandir a geração para atender a demanda seguindo um planejamento. O modelo transferiu ao mercado o papel de atrair produtores independentes, em particular estrangeiros, que não compareceram na proporção devida. Entre os consumidores e as geradoras ou produtores independentes estão as concessionárias de distribuição, que têm obrigação contratual, por lei e pela Constituição, de atenderem aos consumidores com energia de modo continuado. Isto é reconhecido no relatório da Agência Nacional das Águas (ANA) para a Câmara de Gestão, no qual ficou claro também que não foi a falta de chuvas a responsável pela crise.
Portanto, um erro grave na gestão da crise, foi o governo dar ressarcimento às distribuidoras pela perda de receita na crise, em nome do equilíbrio econômico-financeiro da concessão. Este deve ser mantido no médio e longo prazo mas não em meio à crise, entre cujas causadoras estão as próprias distribuidoras, que tinham a obrigação de promover os investimentos, seja para gerarem elas próprias a energia no limite permitido pela regulamentação, seja atraindo produtores independentes. Na gestão da crise o governo cedeu primeiro ao conceder a elas recursos do BNDES e depois ao aumentar as tarifas dos consumidores para compensar as mesmas.
Na gestão da crise três planos foram elaborados pelo governo, para as medidas ad hoc da Câmara de Gestão: O Plano de Termelétricas Prioritárias, o Programa de Energia Emergencial e o Plano de Revitalização do Modelo do Setor Elétrico. O primeiro deles foi emitido à véspera da crise, ainda pelo ministro Tourinho. O governo e as empresas elétricas ainda negavam a crise, enquanto alguns técnicos e professor viam com clareza que os reservatórios vinham se esvaziando progressivamente e as termelétricas a gás não saíam do papel, com raras exceções, a maioria por iniciativa da Petrobras.
O Programa Emergencial foi a pior solução para permitir a suspensão do racionamento agora, dado o seu custo altíssimo, coberto por um seguro contra a interrupção da energia, a que estava já incluída na tarifa, tornando-se uma dupla cobrança ao consumidor, ética e jurídicamente indefensável. Serão usados grupos geradores diesel, combustível impróprio para geração em larga escala, a um preço de R$ 280/MWh, enquanto Furnas vende sua energia a cerca de R$ 50/MWh.
O terceiro, o Plano de Revitalização, foi inicialmente divulgado como uma aceitação das críticas à privatização do setor, ao contrário do que o Presidente manifestou. Mas logo depois tomou a forma de nada mais nada menos que 33 medidas, umas boas outras más, algumas contraditórias entre si, várias inexplicáveis. Tais medidas não resolvem o nó do gás natural importado em dólares para gerar eletricidade paga em reais, em contratos take or pay. No futuro poderemos jogar água fora das hidrelétricas enquanto geramos energia com gás importado.
*Diretor da COPPE/UFRJ