/Discurso de Emerência do professor Willy Lacerda

Data: 
18/10/2010
Autor: 
Willy A. Lacerda

Magnífico Reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Professor Aloisio Teixeira,
Excelentíssimo Diretor da COPPE, Professor Luis Pinguelli Rosa,
Demais membros da mesa,
Meus senhores e minhas senhoras,

Esta cerimônia de concessão do titulo de Professor Emérito toca sobremaneira meus sentimentos mais profundos de emoção e gratidão. E não poderia deixar de narrar aqui alguns fatos que me trouxeram até este pódio.

A escolha da carreira

Primeiro, quero ressaltar que tive em meus pais, Augusto e Esmeralda, figuras inesquecíveis, e que me deram apoio irrestrito em todos os aspectos de minha educação. Minha mãe sempre me chamava de “meu filho Doutor”...

Na minha infância li toda a coleção de Monteiro Lobato, que muito me influenciou no gosto pela Historia e pela cultura em geral. Um livro genial, chamado “O poço do Visconde”, antecipava a Petrobrás e o Brasil de hoje. Lembro que Lobato dizia, naquela época (anos 40) que no Brasil não tínhamos “estradas de rodagem”, e sim “estradas de atolagem”... Pois bem, eu então abria o Atlas Geográfico na pagina do Brasil, e ficava desenhando uma rede de estradas asfaltadas, ligando todas as capitais, sonhando com o futuro. Mal sabia eu que 40 anos depois eu iria percorrer aquelas estradas por mim antecipadas, solucionando problemas de estabilidade de taludes e aterros sobre solos moles...

Outro livro que me marcou muito foi a biografia de Galileu Galilei, de Zolt Harsanyi, na tradução de Vinicius de Moraes, que influenciou decisivamente minha escolha de uma carreira técnica. Alem disso, meus dois irmãos mais velhos, Fred e Teddy, estavam fazendo o curso de Engenharia, e eu naturalmente me inclinei por esta profissão.

Ao entrar na Escola Nacional de Engenharia, no largo de São Francisco, em 1954, na companhia de Mauro Werneck, meu amigo e colega do curso colegial no Externato São José, passei os dois anos seguintes recordando o que aprendera no curso vestibular. Uma figura marcante e que me acompanharia por bom tempo de minha vida profissional foi a do Professor Antonio José da Costa Nunes, notável professor da cadeira de Física II. No terceiro ano tivemos as cadeiras mais técnicas. Fiquei a principio inclinado pela Mecânica dos Fluidos, com o Professor Jaurès Paulo Feghali,cujos ensinamentos sobre camada limite salvaram minha vida, quando me vi arrastado por uma corrente marítima na praia de Copacabana. Lembrei-me de suas aulas, e voltei à praia nadando debaixo d’água, sempre rente ao fundo de areia do mar...

Mas após meu primeiro contato com o Professor Fernando Emmanuel Barata me entusiasmei pela Mecânica dos Solos, num amor que perdura até hoje. Senti que na Mecânica dos Solos os desafios eram grandes, pois a natureza do solo é muito variável, e havia um continente inteiro a explorar. No ultimo ano comecei a cristalizar a idéia de um mestrado nos Estados Unidos, mas minha formatura em 1958 me forçou a uma decisão, pois fui convidado pelo Professor Costa Nunes para trabalhar, primeiro na SONDOTÉCNICA, logo depois na TECNOSOLO, onde permaneci até 1964. Do Professor Costa Nunes lembro seu gosto pelos trocadilhos e piadas e pela orientação que adoto até hoje: concisão no que escrevo. Ao abordar qualquer inicio de relatório ele invariavelmente começava assim: “Trata-se de...” e em seguida ia direto ao assunto. Na Tecnosolo fiz de tudo – ensaios de laboratório e de campo, sondagens de reconhecimento e rotativas, barragens de terra, corri o Brasil de Norte a Sul, morei em varias cidades, já então casado com Maria Luiza.

Minha decisão de fazer o mestrado fazia-se mais presente, e decidi sair da Tecnosolo, e fui, a convite do Professor Barata, trabalhar em 1964 no Departamento de Estradas de Rodagem da então Guanabara, onde chefiei a seção de Solos. Nosso chefe comum era o nosso grande amigo Jacques de Medina. Foram dois anos de muito trabalho, pois Carlos Lacerda estava inventando o sistema viário da cidade do Rio de Janeiro, e eu participei de muitas destas obras.

Ocorreu então um fenômeno natural em 1966, e que se repetiria em 1967. O Rio de Janeiro sofreu centenas de escorregamentos em apenas três dias de chuvas muito fortes. Todos os engenheiros do Estado com conhecimentos de Mecânica dos Solos foram arregimentados, e eu fui um deles. Em Maio o Governador Negrão de Lima decretou a criação do Instituto de Geotécnica, e eu passei a figurar na primeira equipe que se formou.

Desde então não me sai da cabeça uma imagem muito forte, que li no Feng-Shui. Para o Feng-Shui, a montanha é simbolizada pelo dragão. E uma das regras do Feng-Shui é: “nunca construa sua casa aos pés de um dragão ferido”... E o Homem corta as montanhas, constrói no pé dos cortes, e reclama...

Conheci figuras humanas muito importantes no Instituto de Geotécnica – que vou resumir em apenas um nome: Anna Margarida Maria da Costa Couto e Fonseca, excelente figura humana e grande batalhadora. Infelizmente não está mais entre nós, prematuramente falecida.

Neste meio tempo, os movimentos das encostas estavam na minha cabeça, e decidi aprimorar meus conhecimentos nesta área. Escolhi a Universidade de Berkeley, apliquei para o curso de Mestrado e fui aceito. Teria então de pedir uma bolsa ao CNPq. Exatamente nesta época meu amigo Luis Bevilacqua me pergunta se eu gostaria de trabalhar na COPPE, pois o Programa de Engenharia Civil estava sendo criado. O Professor Lobo Carneiro, grande nome da Engenharia Nacional seria o seu primeiro Coordenador e o professor de Fundações seria o saudoso Dirceu Velloso, que conheci como professor Assistente no meu curso de graduação e com quem trabalhei durante minha estada na TECNOSOLO.

Fui entrevistado pelo Professor Alberto Luiz Coimbra, que então me convidou formalmente para entrar na COPPE. Quando soube que eu tinha sido aceito por Berkeley pediu-me para adiar por 6 meses o inicio de meu curso, para que ficasse o ano de 1967 assessorando o Professor holandês Willem van Leijden, que viria lecionar Mecânica dos Solos no primeiro curso da COPPE. Aceitei o convite, e o Governador permitiu minha transferência para a COPPE.

Meu doutorado contou com a presença de toda a minha família, Maria Luiza, Marcos, André, Cristiana e Claudia, que foram comigo para Berkeley. Maria Luiza sempre foi uma companheira vibrante e entusiasmada, que me ajudou muito, sem, no entanto, perder sua individualidade. A ela devo muito de minha carreira.

Minha vida na COPPE

Desde a minha saída em 1968 para Berkeley, as cadeiras de Mecânica de Solos na COPPE estavam sendo ministradas pelo professor Medina. Voltando do Doutorado, em 1972, fui apanhado no turbilhão efervescente que era a COPPE então. A partir de Abril de 1972 dividi com ele vários cursos, e comecei a orientar meus primeiros alunos de mestrado, sendo o primeiro deles o nosso amigo Jarbas Milititsky.

Fatos marcantes na vida profissional

Cito inicialmente três fatos, todos em 1974. O IPR – Instituto de Pesquisas Rodoviárias do DNER decidiu realizar pesquisas no âmbito da Engenharia Rodoviária. O Engenheiro Marcio Queiroz Ribeiro, ex-colega do DER-GB e responsável pelo projeto de vários túneis na cidade, como o Rebouças, o Dois Irmãos e a ampliação do túnel Velho, coordenava parte destas pesquisas, e me convidou para formular um plano de pesquisas em Mecânica dos Solos. Ora, estive envolvido no projeto da duplicação da Rio - Petrópolis na baixada fluminense no mesmo período, com seus grandes depósitos de argila mole, e não havia na época estudos confiáveis de suas propriedades, o que levava os projetistas a projetos ora arriscados, que ruíam, ora a projetos muito caros, prevendo o pior. Imaginei então realizar dois aterros experimentais, muito bem instrumentados, e desenvolver técnicas de investigação de campo para obter informações e amostras da mais alta qualidade, que até então nenhuma firma local tinha condições de realizar. O amostrador de pistão estacionário tipo Berkeley foi construído, e usado com sucesso até hoje. Esta colaboração estendeu-se até 1981, e destas pesquisas nasceu o banco de dados que os engenheiros cariocas utilizam ao realizar projetos nas nossas argilas moles. Varias teses de Mestrado e Doutorado tiveram esta pesquisa como base, tanto na COPPE como na PUC-RJ, que convidei para fazer parte desta busca por novos conhecimentos. Da PUC, lembro os nomes de Sandro Salvador Sandroni, Leandro Moura Costa Filho, Franklin Antunes e Alberto Sayão, então aluno de Sandroni. Da COPPE, os nomes de Ennio Palmeira, Roberto Quental Coutinho, Alberto Ortigão, Haroldo Braune Collet e tantos outros.

O outro fato marcante de 1974 foi o inicio da construção do METRO-RJ. Fui convidado para coordenar as pesquisas decorrentes da escavação do Metro no subsolo da cidade, e o projeto COPPETEC se estendeu até quase a inauguração do Metro, em 1982. Nosso contato no Metro era o engenheiro Moysés Sczwarcbarg, técnico do mais alto gabarito. Pessoas marcantes nesta pesquisa foram os professores Marcio Miranda Soares (de saudosa memória), Mauro Werneck, Jean Pierre Paul Rémy, Dirceu Velloso e vários alunos da COPPE, entre eles, Ian Schumann Marques Martins, Mauricio Ehrlich, Marcio Almeida, Fernando Danziger, Francisco Lopes, Francisco Casanova, Cláudio Mahler, e Paulo Santa Maria, que fazem ou fizeram parte do corpo docente da COPPE. Alunos marcantes, que se tornaram amigos, para só citar alguns, como José Eduardo Moreira. Luciano Jacques de Moraes, Maria Cristina Moreira Alves e Paulo Henrique Vieira Dias. De novo, varias teses de Doutorado e dissertações de Mestrado surgiram desta pesquisa. Devo destacar ainda o nome da Professora Laura Goretti, figura competente e agregadora do nosso grupo.

O terceiro fato deste mesmo ano foi a cooperação do Instituto Geotécnica com a COPPE. Graças ao meu conhecimento dos problemas de 1966 e 1967, escolhemos locais onde houve grandes escorregamentos, e passamos a estudá-los com rigor. O IG fornecia os meios, isto é, as sondagens e as investigações de campo, e a COPPE a matéria prima: os estudantes de mestrado e doutorado, realizando ensaios de laboratório e estudos. O geólogo Wilmar Tenório de Barros foi peça fundamental nestas pesquisas, dando total apoio. Mais de 8 teses surgiram desta cooperação, que se estende até hoje. Para citar alguns alunos que hoje brilham em suas carreiras: as engenheiras Marilene Ramos, Denise Borda Gomes, Stella Nogueira Borges e os engenheiros Glauber Rocha e Guilherme Schilling e o geólogo André Avelar. Outros alunos marcantes foram Paulo Brugger, Laura Simone Borma e Maria Esther Marques.

O outro fato marcante foi o relacionamento do nosso grupo com o grupo de pesquisas do GEOHECO, do Instituto de Geociências da UFRJ, coordenado pela Professora Ana Luiza Coelho Netto. Com sua enérgica e marcante colaboração obtivemos, desde 1997, vários projetos PRONEX do CNPq e da FAPERJ, e atualmente o do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Recuperação do Sistema Encosta-Planície. Esta colaboração trouxe um novo enfoque nas pesquisas sobre encostas, até então dominadas pela Engenharia, mas agora temperadas e condicionadas pelo estudo da Geomorfologia. Ana Luiza me fez empreender uma viagem interior, no sentido de compreender e conviver com a natureza, respeitando-a. Fez-me refletir sobre a Arte na Geotecnia.

De novo, varias teses foram realizadas com esta colaboração, destacando-se os Professores André Avelar do GEOHECO, o Professor Mauricio Ehrlich e a Professora Maria Claudia Barbosa, da COPPE. De outras Universidades, nomes expressivos como Marcus Pacheco, Fernando Schnaid, Ennio Palmeira, José Camapum e Alberto Sayão dão um apoio notável ao Instituto.

Nestas pesquisas destaco alguns alunos, como Marcos Massao Futai, Olavo Santos Jr., Luiz de Almeida Prado Bacellar, Tatiana Rodriguez e Ana Paula Fonseca, entre outros.

Outros alunos se destacaram, como Robson Saramago e Marcos Barreto Mendonça, e são hoje excelentes professores e profissionais.

Vivência e a situação atual

Sobre a minha vivência, penso que fui muito afortunado em só ter conseguido partir para o doutorado após 10 anos de experiência na pratica da Engenharia. Esta prática foi o que me levou a querer estudar os aspectos mais intrigantes do fenômeno do escorregamento de encostas, e me fez escolher uma Universidade onde se pesquisavam os fenômenos da fluência em solos, naquele momento. A escolha recaiu em Berkeley, onde os Professores James Mitchell e William Houston estudavam a fundo o assunto, tanto experimental como teoricamente. Alem do mais, Medina e Barata estiveram em Berkeley, dizendo dela maravilhas. Em Berkeley encontrei os Professores Mitchell e Houston, que, sabendo de meus interesses, me incluíram de imediato em uma pesquisa ligada a este assunto. Minha tese explorou a então recente teoria dos processos cinéticos de Mitchell sobre fluência, e avancei um pouco mais, ajudando-me a entender este complexo fenômeno, através do estudo da relaxação de solos. Pude então trazer para minhas aulas e para a prática da Engenharia meus conhecimentos, que aplico frequentemente na analise de massas de solo em movimento lento.

No meu curso de engenheiro na Escola Nacional de Engenharia todos os professores eram de tempo parcial. Eram acima de tudo Engenheiros, e então Professores. Traziam para a sala de aula seus projetos, sua experiência “lá fora”, e isto enriquecia o conteúdo da aula. Grandes nomes, como Antonio José da Costa Nunes, Jaurès Feghali, Sidney dos Santos, Fernando Barata eram exemplos vivos. No entanto, a ausência do Professor no restante do tempo não permitia um convívio maior, nem criava um ambiente de pesquisa.

Esta situação não era a ideal, e o Professor Alberto Coimbra teve a ousadia de criar, com a COPPE, o conceito de Professor de Tempo Integral no Brasil. Mas Coimbra permitia que o Professor de Engenharia exercesse sua profissão, dando um dia livre para consultoria. Logo depois, criou-se a COPPETEC, para ordenar estas consultorias; a idéia deu frutos, e a COPPETEC é hoje indispensável para a COPPE e para a UFRJ.

De minha experiência profissional como consultor lembro os nomes de Sandro Sandroni, Roberto Brandt e Sidney Reis, da GEOPROJETOS, com quem tive contato mais amiúde e discussões enriquecedoras. Juçara da Silveira é outra aluna que se revelou extremamente competente como projetista, e com quem tenho profunda amizade. O saudoso Eduardo Cordeiro, também cria do Professor Fernando Barata, era também um amigo e excelente projetista.

Mas outro aspecto da situação atual, em que as Universidades lutam para conseguir o conceito 7 da CAPES, me faz refletir sobre a estratégia adotada pelas Universidades Federais, de melhorar o índice de publicações, e que praticamente impedem o acesso de Professores emergentes da prática, com as exigências de artigos publicados em revistas indexadas, quase sempre internacionais. De fato, com as Normas atuais de acesso a concurso de novos professores, somente os candidatos que fazem uma tese de doutorado imediatamente após a conclusão do curso conseguem publicar alguma coisa em uma revista importante. Este novo professor não tem a vivência da Engenharia na prática, somente o embasamento teórico, e não pode desta forma transmitir experiência aos seus alunos. Considero isto uma involução, pois a Engenharia Geotécnica é um caso particular, não se aprende somente nos livros, é preciso vivenciar os problemas, e é por isso que faço questão absoluta de fazer visitas de campo, onde os alunos podem ver na natureza aquilo que só viram nas aulas.

Com os presentes critérios para o cargo de professor ficariam excluídos, por exemplo, ilustres nomes que pontificaram na COPPE e na Escola de Engenharia e que eram expoentes em suas especialidades, caso tivesse de se submeter hoje, com a bagagem que tinham ao tempo em que foram admitidos, aos rigores de um Concurso para admissão na COPPE. Alem disso, na pós-graduação da COPPE era até pouco tempo possível convidar Engenheiros experimentados para ministrar parte dos cursos da pratica geotécnica, enriquecendo o conteúdo dos mesmos, pois traziam ao vivo suas experiências. Hoje, infelizmente, isto não é mais possível, pois este Engenheiro experimentado tem de ter uma produção apreciável de artigos em revistas indexadas, e sabemos que estes Engenheiros experimentados não têm tempo para escrever artigos que satisfaçam as exigências minuciosas de revisores acadêmicos. A mesma coisa se repete na formação de Bancas de Doutorado e Mestrado. Não é possível hoje convidar um Engenheiro ilustre para julgar o trabalho de um aluno, pois não preenche os requisitos acadêmicos de publicação.

Para atestar a necessidade da experiência pratica no Ensino da Engenharia Geotécnica vou citar o meu grande amigo e eterno Professor Fernando Emmanuel Barata, na entrevista que concedeu ao fazer 80 anos e publicada no livro em sua homenagem:

“Eu sempre quis ser engenheiro e professor, professor e engenheiro, não quis ser só uma das coisas. Eu achava que para ser um bom professor eu tinha que ser um bom engenheiro, e, para ser um bom engenheiro, ser um bom professor era útil também, porque eu era obrigado a estudar diariamente. Eu tinha de estudar muito para resolver os meus problemas de engenheiro. E estudava muito, porque estudava também para ser professor e, chegando em sala de aula, tinha condições de dar exemplos de atividades que eu tinha realizado como profissional de engenharia, isso aí é fundamental para um professor.

Com isto, pelo menos na Engenharia Geotécnica perde-se em qualidade. Deixo aqui, portanto, uma mensagem para os dirigentes da Universidade: revisem as Normas para admissão de professores em tempo parcial, para que possamos manter na COPPE e na UFRJ o padrão de excelência em Engenharia Civil que se firmou a partir do concurso de Engenheiros com visão prática, como os citados Professores.

Sobre a convivência em grupo e com os alunos

De tudo isso, o que resta é a noção de humildade perante o desconhecido, a busca incessante pelo conhecimento. E a convivência no grupo de Geotecnia mostrou que quando há pessoas que lutam pela comunidade, que acreditam no trabalho em conjunto, há harmonia. Este é o caminho que leva a felicidade, a um desejo de estudar mais e mais, sabendo que todos participam deste momentum.

Os alunos são a peça básica disto tudo. A curiosidade de cada um, o enfrentamento conjunto das dificuldades inerentes a uma tese, a compreensão de suas necessidades humanas e materiais ajuda-nos a evoluir sempre. Há alunos brilhantes, há alunos talentosos, há alunos normais. De todos eles pode-se extrair algo, estimulá-los, fazê-los progredir. Nisto consiste, a meu ver, o maior desafio de um professor – como avaliar o potencial de cada aluno, e permitir que ele desenvolva suas qualidades, aprenda, enfim. Isto me leva a tecer considerações sobre o que é uma tese...

O que é uma tese

Embora Salomão, no Eclesiastes, tenha dito há mais de 3000 anos que “não há nada de novo sob o sol”, no sentido de que tudo o que existe está ai desde que o mundo é mundo, a experiência do Homem sobre o planeta tem demonstrado que não é bem assim. Claro, os elementos atômicos estão ai, desde o “big-bang”, e neste aspecto realmente não há muita coisa de novo. Por outro lado, o Homem está sempre descobrindo o que já existe, e também neste aspecto o que é NOVO é novo apenas para ele. Para uma criança que começa a se relacionar com o mundo, tudo é NOVO. Neste mesmo sentido, quando não se conhecia ainda os limites do planeta terra cada nova porção de terra “descoberta” era o NOVO, para aquele grupo de homens, ou nação, se quiserem.

Mas, o Homem moderno foi mais alem, e começou a brincar com os elementos, a rearrumá-los, a colocá-los em uma ordem que não existia até então. Isto é Novo. A aplicação das ondas hertzianas em radio comunicação, o raio laser, os computadores, as grandes estruturas, as estradas, enfim, tudo o que o engenho e a arte do ser humano foi e é capaz de criar, é NOVO. E, reparem, tem a ver com a Engenharia, que é a arte de se colocar ao alcance do nosso dia a dia as ultimas “descobertas” ou avanços da ciência, com economia do trabalho humano. Já disse um dia um ilustre professor brasileiro que a engenharia podia se resumir numa equação: “Engenharia = Física + Bom Senso”...

Neste sentido, espera-se que uma tese de doutorado tenha como objetivo declarado o de apresentar ao mundo algo de novo, seja um enfoque, um método, o esclarecimento de um fato até então inexplicável, enfim. Mas, o que é mais importante numa tese é aquilo que fica, para sempre, impregnado naquele que a escreveu: é a EXPERIÊNCIA. O processo que leva ao produto final “TESE” é demorado, e neste período o aluno deve aprender a rearrumar seus pensamentos, adquirindo a experiência de procurar fatos relevantes àquilo que lhe interessa, ordená-los, extrair deles o ESSENCIAL, e pô-los a seu serviço. Este processo é que faz com que mais tarde, na sua vida profissional, o “Doutor” consiga enfrentar novos desafios sem medo, sabendo que ele tem a capacidade de aprender rapidamente a experiência já consolidada, através de seu método particular de pesquisa e síntese. E é isto que quer dizer a palavra “Doutor”, aquele que consegue enveredar por novos caminhos sem medo, com confiança em sua capacidade de aprender e transformar.

Nada pior do que alguém com medo de perder sua “autoridade”, atendo-se a conhecimentos estratificados, fossilizados, recusando-se a reconhecer que novos caminhos estão sempre se abrindo,

Sobre a emerência

Este título de Professor Emérito da UFRJ me emociona e me orgulha. Olhando para trás, o que fiz eu para merecer este titulo? Desde 1967, há, portanto 43 anos eu convivo com a COPPE. Neste meio tempo fui para o exterior, fiz um Mestrado e um Doutorado, participei de Dezenas de Congressos, de vários Comitês e de Sociedades, orientei mais de 60 dissertações e teses de mestrado e doutorado, escrevi muitos artigos, tive centenas de estudantes, ganhei prêmios.

Mas, o que mais me emociona e me motiva a continuar na profissão que escolhi, mesmo depois de aposentado compulsoriamente, foi a de poder conviver com Pessoas que lutam pela comunidade, que acreditam no trabalho em conjunto, na harmonia, no grupo. E isto nós conseguimos manter na Engenharia Geotécnica da COPPE, com a presença e o exemplo ao longo destes anos dos Professores Jacques de Medina, por um bom tempo o Mauro Werneck, e o saudoso Dirceu Velloso. Isto apenas para citar os Professores mais idosos, pois o quadro de Professores atual tem o mesmo espírito de grupo e de união.

Sobre a aposentadoria compulsória, acho um desperdício dispensar um profissional classificado e experiente, com muito ainda a dar a seus alunos, apenas porque atingiu determinada idade. Por acaso um escritor se aposenta? Ou um músico? Acho que, na Universidade, pelo menos, se deve dar uma escolha ao Professor, desde que seus pares aprovem; uma coisa é o direito de se aposentar, outra é a imposição, impedindo-o de continuar lecionando. Acho que a COPPE conduz muito bem este problema, pois meus colegas do programa de Engenharia Civil permitiram que eu continuasse nas minhas atividades, apenas com outro apelido, o de Professor Colaborador. Agradeço ao Programa por esta decisão. Infelizmente não é norma em outros Departamentos e Unidades da Universidade.

Agradecimentos

Agradeço de todo o coração meus colegas que sempre me deram irrestrito apoio, à Universidade Federal do Rio de Janeiro na figura de seu Reitor, ao Programa de Engenharia Civil da COPPE e à COPPE, especialmente o Professor Pinguelli e a Professora Angela Uller.

Agradeço ao corpo técnico, sem o qual não teríamos pesquisa, desde o primeiro, que ajudou a montar o laboratório em 1968, Antonio Jorge Dellê Vianna, até os atuais, e cito todos: Eduardo Paiva, agregador e sempre com iniciativas criativas, Sergio Iorio, Hélcio Gonçalves de Souza, Álvaro Dellê Vianna, Luis Mario Fernandes, Maria da Gloria, Max de Souza, Marcos Antunes, Maria da Gloria Rodrigues, André Salviano, Luiz Carlos Oliveira, Ana Maria Souza, Mauro Dias de Souza, Marcos Antunes, Ricardo Gil Domingues, todos excelentes técnicos, e a Secretaria, com Maria Alice dos Santos e Estela Sampaio.

Se esqueci algum nome em meu relato, peço humildemente desculpas.

E não poderia deixar de agradecer aqui o apoio, também irrestrito e insubstituível, de minha mulher, Maria Luiza, e de meus filhos:

• Marcos, que cuida de minha saúde com seu “shiatsu”,
• André, com sua serenidade e bom humor,
• Cristiana, com sua criatividade e alegria,
• Claudia, amorosa e com profundo conhecimento da vida.

De Claudia Pires Coutinho, com quem vivi 23 anos, e que sempre me apoiou, assim como Juliana Oliveira, com sua maravilhosa força de superação.. E de minha família, meus pais Augusto e Esmeralda e as figuras amorosas de minha babá Raimunda, minha Madrinha Hercilia e minha tia Lourdes, que me alfabetizou;

De meus irmãos Fred e Teddy, e a minha querida irmã Eny.

Enfim, devo tudo isso e muito mais à vida, insuperável mestra, com suas infinitas lições do dia a dia.

Agradeço a todos.
Willy A. Lacerda