/Domenico De Masi na COPPE
Mais de 200 pessoas lotaram o auditório da COPPE, no último mês de maio, para assistir a conferência do sociólogo italiano que vem derrubando velhos paradigmas: Domenico De Masi. "Gestão empresarial, Trabalho e Criatividade" foi o tema da palestra do professor de sociologia do trabalho da Universidade de Roma, um dos mais renomados pensadores contemporâneos, cujas teorias e concepções arrojadas vêm causando muita polêmica. Uma delas é de que o ócio é benéfico e estimula a criatividade. Uma verdadeira heresia para os workaholics estressados e cafeinados de plantão.
Atendendo aos inúmeros pedidos daqueles que não puderam assistir a conferência e, mais ainda, aos telefonemas e-mails daqueles que assistiram e pediram bis, a Assessoria de Comunicação está disponibilizando para o leitor do Planeta COPPE a conferência de De Masi, na íntegra, do início ao fim:
Nesses dias aqui no Brasil encontrei muitos grupos de estudantes, professores e pesquisadores dos centros de pesquisa. Estou muito contente em ter este encontro com pessoas que têm o tipo de especialização de vocês. Sinto-me feliz em poder falar do desenvolvimento da sociedade industrial e da organização das empresas porque, como vocês sabem, os engenheiros tiveram na história das organizações das empresas um papel fundamental. Dois grandes engenheiros, Taylor e Ford, praticamente revolucionaram a gestão das empresas. Eu sou um grande admirador de Taylor, visitei a sua casa, visitei o seu túmulo. Eu acredito que se um gênio como Taylor vivesse hoje destruiria totalmente o Taylorismo e organizaria as empresas de uma maneira totalmente diferente.
Nós como seres humanos atravessamos três grandes fases produtivas. Uma primeira muito longa, que começou há 7000 anos atrás e terminou aproximadamente há duzentos anos, e que foi caracterizada pela produção rural e pela produção artesanal. Depois, na metade do século XVIII, foi feito um grande salto civilizatório, passando da sociedade rural para a sociedade industrial. Enquanto a sociedade rural era centrada na produção agrícola e o poder estava nas mãos do proprietário das terras, como vocês sabem a propriedade industrial é centrada na produção de grandes séries de bens materiais e o poder passou das mãos dos proprietários rurais para os proprietários das indústrias. Esta passagem não foi simples. Ela atravessou as grandes revoluções americana, inglesa, francesa, muitas guerras nacionais e uma guerra mundial. A passagem de poder da aristocracia rural para a burguesia industrial se constitui numa passagem histórica muito complicada e muito cruel.
A Era pós-industrial
Duzentos anos depois, na metade do século XX, com o início da sociedade industrial, em plena Segunda Guerra Mundial, tem início um novo período de grande importância que eu denomino de pós-industrial. Neste período o epicentro não é mais ocupado pela produção em grande série dos bens materiais, mas pela produção em grande quantidade de bens imateriais. Vale dizer de símbolos, valores, de informação e de estética. Naturalmente a sociedade pós-industrial não vai deixar de lado os bens industriais, assim como a sociedade industrial não renegou os bens agrícolas. A sociedade industrial se desfez dos agricultores e substituiu-os por adubos químicos e tratores automáticos. Assim, como o advento da sociedade pós-industrial não se desfará dos produtos industriais, nós não viveremos sem os refrigeradores, não vamos nos desfazer dos automóveis. Mas nos desfaremos dos produtores industriais, isto é, sempre menos operários, sempre menos empregados, e agora sempre menos gerentes, sempre menos dirigentes.
Portanto, o primeiro ponto que eu estou tentando enfatizar é que passamos de uma sociedade rural para uma industrial e depois de uma industrial para uma pós-industrial. Obviamente onde a sociedade industrial se desenvolveu de modo tardio, como por exemplo no sul da Itália, ou como por exemplo no Brasil, hoje convivem conjuntamente algumas regiões rurais, algumas zonas industriais e algumas zonas pós-industriais. Mas nos Estados Unidos nesse momento os trabalhadores agrícolas são 2,8% dos trabalhadores e os trabalhadores do terciário são 70% do conjunto dos trabalhadores, e os operários da indústria são apenas 17%. Nesse momento nos Estados Unidos a população operária não supera os 12% da população economicamente ativa, enquanto que 88% da população economicamente ativa se constitui de trabalhadores intelectuais, constituída de empregados de profissionais, é feita por dirigentes, é feita por gerentes.
Tecnologia
O segundo ponto que eu gostaria de mencionar é sobre o desenvolvimento da tecnologia, porque vocês são todos tecnólogos. O desenvolvimento da tecnologia nunca se deu uniformemente no curso da história. Foram séculos de lenta incubação e depois períodos de rápido desenvolvimento. Entretanto, na pré-história, a tecnologia se desenvolveu sempre para suprir as debilidades humanas. A primeira grande debilidade do ser humano é a do olfato. Enquanto os outros animais eram capazes de perseguir as presas, a partir de vestígios, o ser humano nunca foi capaz de fazer isto. Para suprir essa carência éramos obrigados a olhar para as presas, ao invés de persegui-las. Isso obrigou os seres humanos a caminharem em posição ereta, uma questão de sobrevivência, e essa foi a grande invenção do gênero humano. Isso comportou duas grandes consequências: A primeira consequência é que caminhando em posição ereta nós liberamos as mãos e nossas mãos se tornaram esplêndidas ferramentas. Com isso nós conseguimos fazer uma série flexível de operações. A segunda consequência foi que o cérebro humano não foi esmagado pelo fato de caminharmos olhando para baixo. A parte mais preciosa do nosso cérebro é o córtex cervical. O córtex dos animais que caminham olhando para baixo é esmagado pelo peso do cérebro. Para nós, seres humanos, caminhando eretos, o córtex pode expandir-se livremente, e isso permitiu ao cérebro humano crescer sempre mais. Hoje, como vocês sabem, o cérebro humano é constituído de aproximadamente 100 milhões de neurônios, seja nos homens, seja nas mulheres. As mulheres são ligeiramente mais rápidas na elaboração do pensamento, pois há cem milhões de neurônios num volume menor e isto facilita as sinapses e torna as mulheres ligeiramente mais inteligentes, sobretudo mais inteligentes que o senhor (referindo-se a uma pessoa da platéia). Ou seja, o cérebro humano cresceu ao longo dos anos com base na exigência de memória e em base às exigências de elaboração, exatamente como está acontecendo agora com os micro-processadores e o computador. A sua potência cresce a medida em que é exigido. O cérebro humano começou a decrescer a partir do descobrimento da escrita,, porque se pode delegar ao papel e à caneta uma parte da memória. Porém, permaneçam tranquilos, porque a velocidade de redução do cérebro é lentíssima, ou seja, a passagem de 100 mil anos do início da sua redução, até mesmo um jogador de futebol ou apresentador de televisão possuem um cérebro muito grande e muito mais potente que o de qualquer animal, portanto podemos estar tranquilos.
O desenvolvimento da tecnologia foi muito lento até 7000 anos atrás. Podemos dizer que a descoberta mais importante até 30 mil anos atrás, que precede a Mesopotâmia, é a descoberta do arco e flecha, isto é, de uma máquina esplêndida na qual toda força humana é aplicada num instante e num ponto, ou seja, vem potencializada ao máximo e consente um grande desenvolvimento de energia. Mas o grande período de progresso humano foi na Mesopotâmia. Como vocês todos são técnicos, creio que tenham este grande amor pela Mesopotâmia, que é pátria da ciência e da tecnologia. Sete mil anos atrás, num pedaço muito pequeno do mundo, isto é na Mesopotâmia, uma região caracterizada pela presença de dois rios, o Tigre e o Eufrates, se desenvolveu um pensamento reticular. Tento me explicar. Naquele período tínhamos duas grandes civilizações, a civilizações egípcia e a civilização mesopotâmica. A civilização egípcia era condicionada pela sua geografia, por um único rio, o Nilo, que andava em linha reta da nascente ao estuário. O pensamento egípcio se desenvolveu de modo linear. É aquilo que os gregos denominariam depois tesis, que é o pensamento típico da matemática, que os gregos simbolizavam com a metáfora do arco e da flecha. Ao invés na Mesopotâmia haviam dois rios e muitos afluentes que se ligam aos dois rios, era uma rede de meios de comunicação e isso desenvolveu um pensamento reticular, aquilo que os gregos chama de metis, e que vem simbolizada com a metáfora da serpente. A tesis, corresponde à matemática, e a metis, corresponde o comércio. A tesis vai em linha reta à meta, a metis consegue alcançar facilmente a meta mesmo quando tem obstáculos. A tesis é o símbolo da permanência e o outro é o símbolo do nomadismo.
A Mesopotâmia conseguiu desenvolver grandes invenções e grandes descobertas. Descobriu antes de mais nada a cidade. A cidade é a primeira grande descoberta do homem porque o fixa numa posição, num território e portanto permite a reflexão. Antes da Mesopotâmia os homens mudavam de casa todas as noites. A cada noite os homens dormiam em árvores para se proteger dos animais. Com a Mesopotâmia nascem cidades como Urc, que ainda hoje é possível visitar. Nestas cidades foi descoberta a astronomia, a matemática, a economia, a moeda, a astronomia e a astrologia, e é descoberto o eixo da roda, não a roda, porque os objetos que rolavam já existiam anteriormente. Com a astronomia e com a roda foi possível realizar viagens muito mais longas. Fazendo viagens muito distantes foi possível trocar mercadorias e informações com outros povos e isto permitiu à civilização mesopotâmica tornar-se a mais extraordinária civilização do passado, de tal modo extraordinária que o grande desenvolvimento da mesopotâmia influenciou várias regiões do mundo.
Escreva isto! Tudo aquilo que se poderia descobrir para o bem estar do homem e para a melhoria da vida material do homem já foi descoberto. Preparamo-nos portanto para o progresso espiritual e, por muitos séculos, de 7 mil anos atrás até o século XII depois de Cristo, os seres humanos não desenvolveram a tecnologia. A tecnologia grega se enriqueceu de poucas descobertas como, por exemplo, a alavanca. A tecnologia romana se enriqueceu de poucos melhoramentos arquitetônicos, por exemplo, o arco, mas praticamente o homem do século XII depois de Cristo vivia sua vida cotidiana praticamente igual a seu antepassado de cinco mil anos antes de Cristo, não havia diferença. Amurabi, Homero, Péricles, Júlio César, Constantino, Adriano têm uma vida praticamente quase que idêntica, porém nesse período muda completamente as referências conceituais do indivíduo, graças à filosofia, graças à arte, graças ao desenvolvimento da matemática, graças ao desenvolvimento do conhecimento advindo das viagens. Pensemos em Ulisses, que é o grande emblema dessa fase histórica.
Talvez seja necessário abrir um pequeno parêntesis acerca dos motivos que levaram os gregos a não desenvolver a tecnologia. Muitos estudiosos se interessaram por esse problema, penso em Schultz, penso em Marcuse, penso sobretudo em Coiré. Porque os gregos não fizeram nos 400 A.C. as mesmas descobertas que depois os iluministas fizeram em 1700 D.C. Qual seria o motivo disto? Porque eles maturavam um grande ódio, uma grande desconfiança em relação aos engenheiros. Porque os grandes engenheiros gregos são todos punidos pelos deuses. Porque Ícaro, que é um grande engenheiro aeronáutico, termina sua vida do jeito que vocês conhecem? Porque Prometeu, que foi um grande engenheiro civil, morre do jeito que vocês conhecem? Porque Ulisses, que era um grande engenheiro naval, morre do jeito que vocês conhecem? Porque Sísifo é punido da maneira como foi punido?
Através dos mitos os gregos dizem aos seus jovens: quando ingressarem na universidade, não escolham a faculdade de engenharia, mas escolham a faculdade de filosofia ou de letras ou de teatro ou de música. Exatamente o oposto do que hoje vocês dizem para seus filhos. Não escolham filosofia, não escolham letras, escolham engenharia. Então eu acredito que a explicação mais interessante é aquela que é proposta por Coiré. Coiré disse que os gregos não conseguiram passar do mundo da baixa precisão ao universo da precisão. Para se obter desenvolvimento tecnológico é necessário ter o censo da precisão e é necessário ter os instrumentos para medir com precisão o tempo, o espaço e os fenômenos.
Porque os gregos não desenvolveram a precisão? Porque os gregos acreditavam que somente o mundo dos astros, somente o mundo astral, era dominado pela precisão, enquanto o mundo sublunar, o mundo humano, era dominado pela flexibilidade, pelo acaso, pelo destino, pelo capricho. Portanto os gregos sustentavam que aplicar as próprias forças para tornar racional o mundo irracional se constituía numa inútil perda de tempo que os faria merecedores da punição por parte dos deuses. A grande revolução que, finalmente, une a tecni com os logos - tecnologia se dá com Galileu. Os gregos e os romanos derivavam as suas leis da observação. Galileu inverte essa relação. Deriva as próprias leis do raciocínio mental e depois através de experimentos prova a validade de suas hipóteses. Não é verdade que Galileu, como dizem os historiadores superficiais, traça a lei da oscilação do pêndulo, olhando oscilar o candelabro na catedral de Pisa. Senão porque o candelabro foi colocado na catedral de Pisa 30 anos depois da morte de Galileu? Galileu conseguiu entender que "antes" de passar para a experimentação prática é necessária a análise teórica dos problemas. Isso também já tinha sido falado por outro grande tecnólogo, que foi Leonardo Da Vinci. Ele dizia que a prática, sem a teoria, é como navegar no mar sem a bússola e sem o timão.
"...Como todo bom primeiro ministro, morreu na cadeia por corrupção"...
Em 1600 Galileu cria tudo isso, mas o grande divulgador dos conceitos de tecnologia e da racionalidade é Taylor. São três grandes gênios, Francis Bacon, na Inglaterra, Descartes na França e Gianbattista Vico na Itália. O que Bacon diz no início de sua obra Grauorganum? Que tudo que existia para ser descoberto para o progresso do espírito já tinha sido descoberto, por isso daqui por diante dedicaria-se à melhoria da vida prática e ao bem estar do homem, ou seja, inverte completamente o paradigma com base no qual se cria o desenvolvimento. Bacon nasceu na Inglaterra atrasada de Enrique VIII e morre na Inglaterra então rica e pré-industrial, de Carlos. Ele consegue afirmar os seus princípios e fechar um de seus clássicos onde se estuda o latim, o grego e a filosofia. Consegue convencer a sociedade inglesa mostrando que toda a filosofia grega não é outra coisa que conversa fiada de velhos birutas para jovens preguiçosos. Como vocês sabem também, Francis Bacon consegue fazer uma carreira política, tornou-se primeiro ministro, impôs as suas idéias a toda a Inglaterra e depois, como todo bom primeiro ministro, morreu na cadeia por corrupção. Portanto, Bacon é a síntese de toda sociedade industrial, depois de Bacon, depois de Descartes se inicia a grande epopéia da indústria a qual encontra seu ponto central no iluminismo.
A era das descobertas
O iluminismo parte da idéia de que todas as forças da natureza não obedecem aos caprichos dos deuses, mas que todas as forças da natureza podem ser dominadas e governadas. Não é por acaso que os grandes iluministas conseguem dominar a natureza com cultura. Graças a esse grande esforço cumpriram os princípios do iluminismo em sua concepção exata. Antes de Bacon, antes de Leonardo, temos um grande poder de desenvolvimento tecnológico. Depois de alguns milênios de quietude, no século XII, há um grande ressurgimento, não há mais escravos, a máquina mais completa que o homem inventou, uma máquina que responde até a comandos verbais, exatamente como os computadores que a IBM está preparando agora. É preciso substituir a força humana com alguma coisa e no século XII surgem uma série enorme de descobertas e invenções. É inventado o moinho de água, a bússola, a pólvora, a imprensa, o leme moderno, a vela moderna, os arreios modernos do cavalo, através do qual o cavalo puxa pelo peito e não mais pela boca e uma série enorme de descobertas e invenções tecnológicas que mudam completamente a face da terra e que vão permitir as grandes explorações, a descoberta da América, a circunavegação da África, as viagens muito mais rápidas para a Ásia e portanto a primeira grande forma de globalização.
A invenção do purgatório
Obviamente a tecnologia por si só não é suficiente. É necessário capital também, é a união de grandes tecnologias e grandes capitais que vai criar o progresso e essa também foi uma grande invenção do século XII, porque no século XII foi inventado o purgatório. Trata-se de uma grande invenção econômica. Até 1200 existiam apenas o paraíso e o inferno. Quando se morria era como um cassino. A partir do século XII foi descoberto ou inventado esse meio termo entre o paraíso e o inferno, mas é um meio termo também entre o céu e a terra. A partir daquele momento tornou-se possível salvar a alma dos nossos mortos comprando com dinheiro as indulgências. Isso trouxe o grande acúmulo econômico da era moderna, o nascimento dos bancos. Os bancos são os sistemas que os grandes feudários utilizam para gerenciar as enormes quantias acumuladas para o bem das indulgências. Eu sei que vocês são acadêmicos e portanto precisam de referências bibliográficas. Coloco então, um asterisco no final da página, Jacques Legard, "Nascimento do Purgatório", da Galimard Editora, 1987. É um belo livro que eu recomendo. Não sei se aqui já teve alguém que o traduziu e publicou, mas se não o fez, recomendo, mesmo que nas mãos da editora José Olympio, onde a tradução começará neste século e terminará no século futuro, assim como acontece com meus livros.
Razão X Emoção - O mundo Taylorista
Tudo isso cria as premissas para a sociedade industrial, que nasce com o iluminismo, que é um grande movimento a favor da racionalidade humana e contra a emotividade. Esse movimento se explica porque até aquele momento dominávamos apenas a esfera emotiva e as explicações mítico-religiosas dos fenômenos naturais. O iluminismo vem substituir as explicações emotivas pelas racionais, mas as indústrias que nascem exatamente naquele momento interpretam o iluminismo de forma tendenciosa. A indústria afirma que tudo aquilo que é bom é racional, como o iluminismo, mas a indústria acrescenta que tudo aquilo que é racional é masculino, tudo aquilo que é masculino diz respeito à produção e tudo aquilo que diz respeito à produção é realizado na fábrica. Ao contrário, tudo o que é negativo é emotivo, emocional, e tudo que é emotivo é feminino, e o que é feminino diz respeito à reprodução e tudo o que diz respeito à reprodução é realizado dentro de casa.
Então a indústria interpreta de forma tendenciosa o racionalismo, o iluminismo e o aplica à vida prática. O mérito e o demérito de tudo isso pertence aos engenheiros, porque foram os engenheiros os grandes organizadores da indústria. Parte do mundo é budista, parte é mahometana, parte foi capitalista, parte foi comunista, mas todos são tayloristas. Lenin era um grande apaixonado por Taylor e dizia que o comunismo é Taylorismo mais Marxismo. No entanto é preciso entender Taylor, um personagem que nasceu na Filadélfia, em 1856, cujo ditado era "the right man in the right place", o homem certo no lugar certo. E ele vai aplicar para si mesmo essa máxima. De fato nasce ele na família mais rica da Filadélfia, quando a Filadélfia já era a cidade mais rica da América e quando a América, ou os Estados Unidos, já era o país mais rico do mundo. Taylor ama muito a tecnologia enquanto que sua família é composta de uma irmã mais nova, um pai advogado, mas tão rico que nunca precisou exercer a profissão, que era mais um mecenas, e uma mãe radical, que defende as idéias da igualdade da mulher. Para educar esse jovem a família o leva para a Europa e eles fazem uma viagem de três anos na Europa. Em sua família fala-se fluentemente inglês, francês, alemão, italiano, russo e, no final desta longa viagem, o jovem Taylor, que vai tomando nota de tudo no seu diário, escreve "vi coisas maravilhosas, mas para a vida prática essas coisas não servem para nada".
O projeto dele é o de se tornar um técnico e através de várias vicissitudes consegue vencer a oposição familiar e estudar engenharia. Como todos os estudantes de engenharia americanos, ele faz estágios em empresas como a Company, que é a empresa de sua irmã nessa época, que era e continua sendo a maior companhia siderúrgica americana. Ao observar o trabalho nas oficinas Taylor percebe que é desperdiçado um tempo muito grande para organizar o trabalho todo dia. Então ele pensa em organizar cientificamente o trabalho, de forma que com pouco tempo se consiga fazer uma produção muito maior e que sobre mais tempo para o trabalhador. O sonho dele não é o trabalho, mas o lazer. O sonho dele é livrar o homem do esforço, organizando o trabalho de tal maneira que todo trabalho possa ser realizado pelas máquinas e ele mesmo consegue aplicar tudo isso. Por exemplo, na Company, depois de dois anos de consultoria no setor de prensa, ele o reestruturou. Reduziu de 100 para 80 operários, diminui a carga horária de dez horas diárias, seis dias por semana, para oito horas, em cinco dias na semana. A produção é triplicada e os salários duplicam. Ele mesmo dá o exemplo do grande apego ao lazer. Rejeita a herança paterna, vive apenas de seu trabalho e de suas consultorias, acumula uma grande quantia de capital e aos 42 anos se retira do trabalho, compra uma grande colina, constrói uma mansão e dedica-se à jardinagem. A rosa Taylor, a rosa amarela, foi produzida por ele. Portanto, Taylor não é um engenheiro produtor de linhas de montagem, mas é um jardineiro produtor de rosas e é preciso recuperar essa dimensão do Taylorismo.
Máximo Controle
O Taylorismo não foi feito para acelerar o ritmo do homem mas para livrá-lo do trabalho. Na época a empresa era constituída principalmente por trabalhadores analfabetos, operários, que desempenhavam trabalhos apenas manuais e repetitivos e que podiam ser administrados apenas através do controle. O máximo do controle vai ser inventado pouco depois em 1913 por outro engenheiro, Henry Ford, de Detroit, com sua fábrica de automóveis. É claro que a linha de montagem é uma obra prima porque projeta o controle para dentro e obriga os operários controlados a se tornarem controladores dos próprios colegas. Cada operário controla o operário que vem antes dele e o ritmo é dado pela velocidade da linha de montagem. Isso faz com que os trabalhadores introjetem o controle e se tornem controladores de si mesmos. Com isso, é claro que o empresário obtém lucros imensos e economias extraordinárias.
A empresa industrial Taylorista e Fordista é orientada para o produto. O empresário produz o produto e o impõe aos consumidores através da propaganda. Mas existe um grande poder do produtor diante do consumidor e quase sempre o produtor é monopolista. Por isso a Ford pode-se se dar ao luxo de utilizar o slogan "os americanos podem escolher automóveis de qualquer cor desde que escolham automóveis pretos". Se hoje a Benetton tivesse um slogan análogo, obviamente nós iríamos comprar roupas do seu concorrente.
Tempo, tempo, tempo, tempo...
A indústria, como eu disse, produz produtos em grande série mas também novos princípios que se tornam princípios de toda a humanidade. O primeiro, eu já disse, é o racionalismo, o segundo é a padronização. Todos os produtos são padronizados para serem produzidos rápido e em grande escala. O terceiro princípio é a especialização acelerada. Segundo Taylor, cada operário tem que efetuar apenas uma tarefa milhares de vezes ao dia. Outro princípio ainda é a economia de escala, grandes fábricas, grandes hospitais, grandes escolas, exatamente como esse lugar aqui. A loucura da economia de escala.
Outro princípio para Taylor é a eficiência, ou seja, T/H, quantidade de produtos dividido pelo tempo humano. Uma empresa é mais eficiente quanto mais produtos ela produz em menos tempo. O tempo torna-se o grande eixo do ser humano. Antes da sociedade industrial até os escravos nunca trabalharam mais de seis horas por dia, em média, isso foi observado em todos os estudos econômicos sobre a escravidão. É a indústria que vai aumentar enormemente a jornada de trabalho porque a fragmentação do trabalho, a linha de montagem, permite produzir o dobro de produtos no dobro do tempo, esticando-o para aumentar a quantidade de produtos.
Sociedade Pós-industrial
A indústria, porém, tem dois grandes méritos: em primeiro lugar, criou uma grande riqueza e, em segundo lugar, criou um grande impulso para a nova sociedade, que é a sociedade pós-industrial. O progresso tecnológico, o progresso urbano, a globalização, os meios de comunicação de massa, a escolarização de massa, tudo isso determina um novo tipo de sociedade, a sociedade pós-industrial, em que grande parte do trabalho físico, repetitivo, prejudicial, pesado, brutal e grande parte do trabalho intelectual repetitivo pode ser delegado à máquina, que se torna cada vez mais inteligente.
A delegação da nossa atividade para máquinas inteligentes modifica completamente a empresa, mas não modifica sua gestão. Hoje, ao contrário da época de Taylor, as empresas são constituídas principalmente por trabalhadores intelectuais. Desapareceram os trabalhadores materiais. Hoje, na IBM, na Itália, em cada 10 mil funcionários só 400 são trabalhadores braçais, operários, denominados no contrato de empregados tecnológicos para mostrar que não tem nada em comum com o operário Taylorista da linha de montagem.
Hoje grande parte das atividades no trabalho e no lazer são efetuadas através do cérebro. É o cérebro que trabalha de forma contínua, dia e noite, de forma que se é verdade que o uso desenvolve o órgão, é provável que daqui a alguns séculos teremos cabeça grande e um corpo muito gracioso, pequeno em comparação com a cabeça.
Gestão: mesmas regras do passado subjugam o presente
O problema da gestão empresarial pode ser sintetizado no que os antropólogos e os psicólogos chamam culture gap, a lacuna, o gap cultural. Em função deste fenômeno nosso cérebro leva todos os primeiros anos da vida para fixar suas sinapses e seus circuitos lógicos. Uma vez fixados esses circuitos será muito difícil mudá-los. Isso quer dizer que nós temos um cérebro que se formou antes das mudanças e que, por causa dessa lacuna cultural, as pessoas que têm uma certa idade tentam subjugar a sociedade renovada às leis do passado. Hoje em dia nós praticamente tentamos administrar a sociedade pós-industrial e a empresa pós - industrial com regras Tayloristas da sociedade industrial. Então milhões de empregados, de gerentes, de profissionais liberais, de dirigentes, são administrados com as mesmas regras que no passado foram administrados os operários analfabetos da linha de montagem.
O tempo e o espaço das duas principais categorias de organização são administrados como na época Taylorista. O exemplo mais evidente de tudo isso é a rejeição ao teletrabalho por parte das empresas. Outro exemplo evidente é toda a discussão sobre a jornada de trabalho. Enquanto a jornada para esse trabalho segmentado era determinante, a jornada para o trabalho intelectual não quer dizer nada. O operário que trabalhava na linha de montagem dedicava-se ao trabalho desde o instante em que entrava na empresa até o instante em que saía. Quando ele saía da empresa não pensava mais no trabalho. Ele não levava a linha de montagem para casa. Mas o trabalho intelectual usa o cérebro e quando o trabalhador sai da empresa ele leva o cérebro com ele. A principal instalação produtiva da empresa moderna está dentro da cabeça do trabalhador e quando, por exemplo, um publicitário está trabalhando na busca de um novo slogan ou um engenheiro está trabalhando na busca da solução para um novo edifício, onde quer que ele vá, manhã e noite, essa idéia fixa o acompanha e a mesma solução pode ser encontrada no escritório, mas raramente ocorre, e pode ser encontrada em casa e até enquanto a pessoa está dormindo, enquanto está acordando, enquanto está no cinema, enquanto está fazendo amor. Talvez uma das grandes descobertas desse século, a descoberta do DNA, foi intuída por Watson, observando um filme com Esther Williams. Através de alguns fotogramas de um filme eles tiveram a centelha que lhes permitiu entender que a hélice não era simples mas dupla.
Gerentes ficam até tarde no escritório para fazer companhia ao chefe
Organizar a empresa pós-industrial com as regras industriais sem depender da avaliação do trabalhador, não da qualidade de suas idéias, não da sua criatividade, mas do tempo de trabalho que ele passa no escritório, é um grande absurdo. Vocês sabem melhor do que eu que os gerentes vão para o escritório de manhã cedíssimo e ficam lá até tarde da noite. Depois do horário de trabalho continuam no escritório para mostrar lealdade à empresa, para mostrar lealdade ao chefe. Praticamente sua função principal é a de fazer companhia ao chefe, que por sua vez faz companhia ao seu respectivo chefe, e por aí vai até o presidente. Isso cria uma cisão muito perigosa entre casa e trabalho, entre sociedade e trabalho, entre política, religião, cultura e trabalho.
O futuro que nos espera
Bem, é óbvio que tudo isso vai se recompondo. Os valores da sociedade pós-industrial são a intelectualização, a desespecialização, a ética, a estética, a emotividade, a subjetividade, a feminilização, a desestruturalização do tempo e do espaço, a importância crescente que é dada à qualidade do produto e à qualidade de vida. Esses valores exigem um tipo de organização empresarial completamente diferente do que é ensinado nas faculdades de administração nos Estados Unidos. Não tem nada a ver a atual sociedade com o futuro que nos espera, com o pós-taylorismo das business schools americanas e talvez até das faculdades de administração brasileiras.
* É preciso eliminar horários e espaços. Substituir controle por motivação
Eu acho que nós, mais ainda os jovens aqui presentes, teremos a possibilidade de modificar de forma revolucionária a organização empresarial. Não se trata de pequenos retoques, não se trata de pequenas alterações, é necessária uma revolução global, assim como Taylor realizou uma revolução global para levar a organização da fase artesanal para a fase industrial. Hoje é necessária uma revolução do mesmo porte para levar a organização empresarial da fase industrial para a fase pós-industrial. É preciso modificar o senso do tempo eliminando horários, eliminando o espaço, introduzindo o teletrabalho e substituindo principalmente o controle pela motivação.
Hoje, falando para colegas de São Paulo, concluí lembrando um grande tecnólogo grego, Sísifo. Para os que não sabem, Sísifo era um engenheiro que havia ousado desafiar os deuses e, por ter alguns segredos da natureza, ser um intelectual, foi punido com o trabalho material. Essa lei do “não ultrapasse”. Sísifo foi punido e obrigado a empurrar uma pedra imensa para cima de um monte, de uma colina. Quando chegava lá em cima, aquela pedra caía e ele tinha que voltar a empurrar, fazendo tudo de novo, para todo o sempre. A interpretação tradicional pensa que Sísifo sofria principalmente na subida. Sendo intelectual ele deveria desenvolver um trabalho manual, um trabalho físico. Mas Camil observou, justamente no seu belo livro “O Mito de Sísifo”, que provavelmente Sísifo, sendo um intelectual, não sofria na subida mas na descida. Ou seja, ele não sofria quando tinha que cumprir aquele esforço imenso de empurrar a pedra para cima, porque naquela fase o cérebro dele estava completamente aplicado no esforço necessário. Provavelmente o maior sofrimento de Sísifo, que era um intelectual, ocorria na descida, porque na descida ele não tinha que cumprir nenhum esforço físico e o cérebro estava completamente livre para refletir sobre a condenação terrível de um trabalho inútil e sem esperança. É o trabalhador com pena do trabalhador na linha de montagem.
* Sísifo sofria quando seu cérebro estava livre para refletir sobre a condenação de um trabalho inútil e sem esperança. É o trabalhador com pena do trabalhador na linha de montagem
Essa segunda interpretação é de tipo industrial, enquanto a primeira é de tipo rural. E pode-se até tecer uma terceira, de tipo pós-industrial. Podemos imaginar um Sísifo tecnólogo, que produz um grande robô que leva essa pedra para cima e para baixo na montanha e que, sentado no alto do morro, observa o robô trabalhando e o Deus cruel que o condenou a tal sorte, inútil e sem esperança. Realmente realiza a vitória completa do homem sobre a natureza e eu espero que todos colaborem com essa grande empresa depois da industrialização de Sísifo.
Intervenções de Domenico Demasi durante o debate com a platéia após a conferência
Quero parabenizar à COPPE porque esse é o primeiro microfone que funciona depois de doze palestras que fiz no Brasil. Eu vou precisar esboçar um esquema da sociedade pós- industrial. Peço desculpas pelo aspecto elementar do esquema, mas eu obviamente não vou ter tempo para desenvolver o tema mais a fundo.
Se eu tivesse que fazer uma metáfora da sociedade pós-industrial eu diria que a estrutura do nosso sistema é passível da seguinte esquematização. Existe no mundo todo um número infinito de lugares e organizações em que faz-se pesquisa pura, em que procura-se, digamos, levar adiante o conhecimento da natureza e do mundo e o objetivo econômico, por exemplo o Instituto Caventish, de Cambridge, o Instituto Pasteur, em Paris, e por aí vai.. O meu instituto, por exemplo, no que diz respeito a sociologia, e outros institutos, no que diz respeito a economia. Mas no entanto, todos esses laboratórios produzem idéias e essas idéias abrem um campo novo. Por exemplo, o Instituto Cavendish, de Cambridge, onde Watson, em 1963, descobriu a estrutura do DNA. A partir daquele momento não só houve uma descoberta mas um novo campo para descobertas, ou seja, nasce uma nova disciplina, a biologia molecular. A partir daquele momento, a partir dessa descoberta, inúmeros laboratórios desenvolvem novas pesquisas, sempre partindo da descoberta inicial. O Instituto Pasteur, em Paris, onde se está tentando descobrir um soro contra a AIDS, a partir da estrutura do DNA. No Instituto de Roma, estão desenvolvendo estudos contra o câncer, partindo, ainda hoje, da estrutura do DNA para tentar entender se é possível combater certos tipos de câncer.
Vamos imaginar, em determinado momento nesse instituto, que é o Instituto Pasteur, que alguém finalmente descubra uma fórmula, um soro contra a AIDS. É claro que isso terá um grande valor comercial, além de um grande valor humano porque sabemos que é possível vender milhões de cópias deste soro. Então certamente haverá uma empresa que vai decidir comprar a patente. Vamos imaginar a Bayer, a Glaxo, que vai comprar a patente. O que eles estarão obtendo ao comprar a patente? Estarão comprando a fórmula e o protótipo. Uma vez adquirida a fórmula e o protótipo será necessário organizar uma pesquisa aplicada, uma pesquisa de desenvolvimento, como nós chamamos aqui. Existe a pesquisa pura, a pesquisa aplicada e a pesquisa de desenvolvimento, para predispor o homem, as fábricas e as vendas, de tal forma que quando esse novo medicamento for produzido em grande escala possa ser divulgado. Somente quando tudo isso estiver acabado é que passamos à fase de produção. Portanto, na fase da produção haverá milhões de frascos desse medicamento que foi produzido aqui e descoberto com base no invento anterior. Somente nesse ponto chega-se à última fase, que é a fase do consumo.
Então temos uma primeira fase de pesquisa pura, uma segunda fase de pesquisa aplicada, uma terceira fase de decisão, uma quarta de pesquisa de desenvolvimento, uma quinta fase de produção e uma sexta fase de consumo. Agora eu peço que observem algumas características desse esquema. Primeira característica: durante a sociedade industrial essa fase aqui era muito grande e quase sempre era realizada por uma só pessoa. Henry Ford é que inventa o modelo, a força de Ford, ou seja, de quem decide, consiste em ter fábricas para a produção. Na sociedade industrial o direito de decidir deriva da propriedade dos meios de produção.
* Japão: 60% dos produtos têm patente americana
Nesta sociedade o poder decisório deriva da propriedade dos meios deidealização. A outra fase pode ser delegada até ao terceiro mundo. O importante é ter esta fase. De fato, até o Japão, nos últimos anos, colocou à venda uma enorme série de produtos, mas 60% desses produtos têm patente americana. Então, para 60% desses produtos são pagos royalties para os laboratórios americanos.
Hoje uma empresa moderna não procura produzir, procura idealizar, patentear e vender as patentes para suas concorrentes que depois vão pensar na iimplementação. Eu mesmo sou consultor da Glaxo, na Itália, e a Glaxo não produz quase nada hoje em dia. Só tem seus laboratórios de pesquisa e emite as patentes. Enquanto que na produção poderia ter concorrentes, na idealização de patentes não tem concorrentes.
* Países emergentes: condenados ao consumo
Nesse esquema não vale a pena estar na produção de um produto. Hás países que detêm o monopólio da criação de patentes. Há países que têm a delegação da produção e há países que estão condenados apenas ao consumo. Esses países são os subdesenvolvidos, são os chamados emergentes, e o Brasil encontra-se entre eles. E entre os países dominantes, encontra-se os Estados Unidos. Então esse esquema (mostra esquema no quadro) indica que os países que estão no nível subdesenvolvido ou no nível emergente têm que encontrar uma estratégia. Segundo as escolas de administração americanas, não é possível um país subdesenvolvido dar saltos. Ele precisa primeiro se tornar industrial e depois pós- industrial. Na minha teoria, um país que é subdesenvolvido ou emergente precisa saltar imediatamente, sem precisar passar pela fase de produção, que é uma fase de exploração.
* Supermercados: desovam no terceiro mundo mercadorias que o primeiro mundo não quer mais
No outro dia me contaram, em Porto Alegre, que o governador do Estado do Rio Grande do Sul derrubou os incentivos para uma fábrica da Ford. Eu não conheço o governador, não sei nem a que partido pertence, mas acho que é um caso único de coragem inteligente no mundo, porque o problema não é ter o supermercado. Não por acaso todo o terceiro mundo está cheio de supermercados. Há muito mais supermercados no Brasil do que na Itália. Esses supermercados servem para desovar no terceiro mundo as mercadorias avariadas no primeiro mundo, as mercadorias que o primeiro mundo não quer mais, de forma que todo o terceiro mundo está se enchendo de supermercados e aos poucos vai se enchendo de fábricas, que sabemos que poluem, trazem pouco valor agregado e, por isso, são colocadas nos países emergentes. É claro que a única forma de romper este círculo vicioso é transformá-lo num círculo virtuoso, ou seja, fazer um curto-circuito, “bypassar” a fase industrial e passar direto para a fase pós-industrial. Isso, por exemplo, foi realizado nos Estados Unidos. O Silicon Valley era uma área rural do Vale do Silício que não se industrializou e foi diretamente transformada em pós-industrial. Mas por que isso foi possível? Porque perto estavam as universidades de Stanford, de San Diego, de Santa Barbara, e então o problema não é tanto deter a riqueza, quanto deter as universidades. O papel de vocês é fundamental num país como esse, ainda que eu perceba que muitas vezes os governos não possuem este tipo de conscientização ou, pior, se tornam cúmplices dos monopolistas da idealização.
* Feminino significa fazer crescer. É o que vocês herdaram da natureza e nós, homens, com inveja, obviamente as expulsamos de todo o resto
É bom que haja uma psicóloga numa faculdade de caráter tecnológico (fala dirigindo-se a uma professora de psicologia que participa do debate). Mais interessante por tratar-se de uma mulher ainda que, como sabem, a psicologia é um pouco vista como a continuação da maternidade. Esse é um campo que os homens temem um pouco. Os homens que temem a maternidade muitas vezes delegam esse trabalho para as mulheres. Feminino significa tendência a fazer crescer. Nós, homens, temos mais o conceito da concorrência, ou seja, a tendência a matar, a fazer morrer, enquanto que vocês têm esse belo dom da tendência a fazer crescer. É o que herdaram da natureza e nós, por inveja, obviamente as expulsamos de todo o resto.
Eu não sei se Freud tem razão, mas ele diz que os homens tentam ser mais criativos porque têm inveja da procriação. Mas Freud pertencia a uma Viena muito machista, então deve haver explicações menos parciais.
* Os grupos criativos do século XX
Eu peço desculpas pela breve exposição que sou obrigado a dar sobre o tema. Por que eu me ocupo de grupos criativos?, Por que eu me interesso por isso? Porque no meu instituto nós constatamos, como em muitos outros no mundo, que a partir da metade do século XIX houve um grande aumento do progresso tecnológico, das invenções artísticas e científicas. Então nós nos perguntamos, porquê?
A primeira coisa que nos chamou atenção foi que a partir de meados do século XIX as invenções não se deram mais através de trabalhos de cientistas isolados ou artistas isolados, mas sim como produto de equipes. Então nós tentamos entender qual é o processo de produção. Estudamos muitos grupos criativos a partir da metade do século XVIII, ou seja, quando a indústria se afirmou. Percebemos que esses grupos criativos existiam principalmente na Europa, no século XIX, e justamente na América se afirmavam o Taylorismo e o Fordismo, enquanto que na Europa existiam muitos grupos que produziam idéias através de uma organização completamente diferente da Taylorista. Então nós começamos a estudar esses grupos e estudamos vários deles entre meados do século XIX e XX. Nós publicamos o primeiro volume, onde sintetizamos a história de treze grandes grupos e foi publicado um livro intitulado “A Razão e a Regra”, que no Brasil foi publicado pela editora José Olympio.
* Os Estados Unidos hoje praticamente detém a grande massa dos grupos criativos no mundo
Nós percebemos que a produção e a criatividade, no final dos anos 30, transferiu-se para os Estados Unidos porque muitos líderes dos grupos criativos europeus, por exemplo, Enrico Ferme, Walter Gropus, eram judeus e, portanto, foram expulsos ou tiveram que fugir da Europa, o que levou à proliferação de grupos criativos nos Estados Unidos que, hoje, praticamente detém a grande massa dos grupos criativos no mundo.
Nós nos perguntamos, por que é importante o grupo criativo? Por que os grupos conseguem criar mais do que pessoas individualmente? E foi por aí que 0 começamos a estudar a criatividade. Agora a síntese dos nossos estudos é a seguinte: a criatividade foi muito estudada pelos psicólogos, pelos psicanalistas, pelos psiquiatras, pelos sociólogos, cada um por um ângulo diferente. Uma contribuição muito importante, na minha opinião, foi a dada por um psiquiatra italiano, chamado Ariette, que estudava principalmente a esquizofrenia e que foi alguém que também teve que fugir para os Estados Unidos onde trabalhou durante anos. Ariette escreveu vários livros de caráter psicológico e psicanalítico sobre a criatividade. Segundo ele, a criatividade é uma síntese do nível inconsciente e do nível consciente. O importante para as idéias é o nível inconsciente, que é o grande produtor de idéias. O nível consciente censura as idéias e deixa passar apenas aquelas realistas. Segundo Ariette, a criatividade é um ponto dentro dessa linha contínua em que se cria uma síntese entre os níveis consciente e inconsciente. Nós partimos deste pressuposto. Acrescentamos a este eixo um outro eixo, que é a esfera emotiva.
* Fantasia e criatividade
Peço desculpas pela simplicidade, mas não temos muito tempo para aprofundar. Também existe a esfera racional. Como podem ver, o cruzamento dos dois eixos cria quatro áreas. Eu não vou ter tempo para ilustrar as quatro, mas vou ilustrar apenas duas. Temos uma área criada pelo cruzamento entre o inconsciente e a esfera emocional, a emotividade. É a área da fantasia. Muitas vezes confundimos fantasia com a criatividade, mas a fantasia não é a criatividade, é apenas um ingrediente da criatividade. Nós, napolitanos, somos muito fantasiosos. A única criação dos napolitanos foi a pizza, e isso foi há duzentos anos atrás. E eu creio que o Brasil é fantasioso também, porque a única criação foi a bossa nova e ela também já tem muito tempo. Eu vi a lista de patentes brasileiras e muito pobre, assim como a lista de patentes italianas. Nós somos fantasiosos.
Dias atrás fiz uma palestra e perguntei à platéia qual era a prova da fantasia brasileira e todos disseram : o carnaval. Me parece que o carnaval é muito pouco para exemplificar a fantasia. Me parece que há uma série de grandes focos de fantasia no Brasil, como na Itália, e eu acho que os recursos e as carências do Brasil e da Itália são muito semelhantes, por isso é que eu me entendo tão bem com os brasileiros.
*Michelangelo era um grande criativo, não só porque desenvolveu a cúpula da Capela Sistina, mas porque depois convenceu o Papa a fazer a encomenda
A fantasia é um dos ingredientes da criatividade. Há gente que vai mais em direção ao inconsciente e em direção à emotividade, já outras pessoas vão mais longe, são mais fantasiosas. Ainda não estamos na presença da criatividade, porque a criatividade é a síntese da fantasia com outros elementos. O que temos aqui?. O que temos nesta outra zona delimitada pela esfera racional e pelo nível consciente? Nessa zona temos a concretude. A criatividade é a síntese entre fantasia e concretude. Não é só fantasia, não é só concretude, que significaria burocracia. A criatividade é a síntese. Nós sabemos que Michelangelo era um grande criativo, não só porque aos 72 anos desenhou a cúpula da Capela Sistina, mas porque depois conseguiu convencer o Papa a fazer a encomenda, conseguiu receber o pagamento, conseguiu selecionar três mil entre todos os profissionais necessários e coordená-los durante 20 anos. Quando ele morreu, aos 90 anos, a cúpula ainda estava na metade, ou seja, ele conseguiu dirigir a empresa não só no nível fantasioso mas como no nível concreto.
* A peculiaridade dos gênios
Mas a concretude também é diferente. Há pessoas bastante concretas, há pessoas ainda mais concretas e há pessoas muito concretas. Então o que é a criatividade? É a síntese da concretude com a fantasia. Quem é o gênio? O gênio é aquele que tem uma fantasia máxima e uma concretude máxima, mas o gênio é raro e enquanto a humanidade conseguiu prosseguir com gênios permitiu-lhe o nível de desenvolvimento como o ocorrido no século XIX. Nós não somos gênios, poucos são, muito poucos. A maioria das pessoas, ou é muito fantasiosa e pouco concreta ou é muito concreta e pouco fantasiosa. Essa é uma passagem importante na minha teoria. Cada um de nós, em determinada disciplina, é mais concreto ou mais fantasioso e daí a grande descoberta dos líderes criativos do século XIX e XX, a grande descoberta de Pasteur, de Enrico Ferme, de Gropius. Não havendo gênios individuais podem-se criar gênios coletivos. Podemos criar gênios coletivos e juntar grupos em que alguns são mais fantasiosos do que concretos e outros são mais concretos do que fantasiosos. Se juntarmos pessoas dotadas de muita fantasia com pessoas muito concretas, nesses grupos nasce a centelha da criatividade e, ao invés de gênios criativos, teremos muitos grupos criativos. Um dos motivos pelo qual as empresas de hoje são pouco criativas é que selecionam apenas pessoas concretas, portanto degeneram em burocracia.
* Empresas americanas compram idéias até de desempregados
Muitos professores das faculdades de administração americanas levam receitas para tornar os gerentes criativos. Normalmente as empresas escolhem os gerentes com base na forte concretude e, sendo muito concretos, não conseguem ser criativos. Mas as empresas recusam-se a contratar fantasiosos e não conseguem montar grupos feitos de fantasiosos e concretos. Mas as empresas sentem a necessidade da criatividade, então o quê que elas fazem? Primeiro contratam pessoas pouco criativas e depois colocam-nas em cursos de criatividade. É como se eu preferisse mulheres louras, casasse com uma negra e depois a levasse para o cabelereiro para trocar a cor do cabelo. Na realidade a criatividade não está penetrando nas empresas.
Um importante consultor americano, Albright, observou a grande queda de criatividade nas empresas americanas. As empresas americanas não produzem idéias, elas compram idéias, compram das universidades e até dos desempregados, como Bill Gates, que inventam determinados microchips nos bares de Seattle. Albright lembra que não foram as empresas produtoras de escrever mecânicas que inventaram as máquinas de escrever elétricas; não foram as produtoras de máquinas de escrever que inventaram as máquinas de escrever eletrônicas e não foram as empresas produtoras de válvulas que inventaram o transistor. Aliás, quem tinha a patente do transistor vendeu a patente para a
* Quem tinha a patente do transistor vendeu a patente para a Sony porque achava que o futuro estava nas válvulas
Sony porque achava que o futuro estava nas válvulas e não nos microprocessadores. Então eu não sei realmente que conselho dar às empresas para ganharem criatividade. Como sou um professor universitário, no futuro eu espero que as empresas nem façam o esforço e que peçam isso para a gente, porque assim podemos reproduzir esse esquema. O que no final das contas é um fato positivo para as universidades.
* As empresas do mundo estão empenhadas na globalização e nas fusões, ou seja, tornaram-se completamente loucas. As empresas conduzem uma batalha terrível contra o estado, contra tudo o que é público
Por outro lado, as empresas, neste momento, estão empenhadas em outros problemas. As empresas do mundo no momento estão empenhadas no grande problema da globalização e das fusões, ou seja, tornaram-se completamente loucas. O que as empresas fazem? Elas tendem a se engrandecer cada vez mais, enquanto que não é o gigantismo que produz, não é aumentando o tamanho da pirâmide que vamos incrementar a eficiência de uma empresa, mas sim criando redes de pequenas dimensões, que podem obter a eficiência e a segurança das grandes organizações junto com a criatividade das pequenas. Muitas empresas hoje conduzem uma batalha terrível contra o estado, em todos os países do mundo, porque são empresas multinacionais que não têm pátria, não têm qualquer vínculo com qualquer nação. Não lhes interessa o destino das nações, mas sim o próprio destino. No mundo inteiro estão travando uma grande batalha contra tudo o que é público, contra a escola pública, contra a saúde pública, contra o transporte público, e por aí vai. E o que obtêm dessa forma?. Duas vantagens: de um lado apropriam-se de novos segmentos de mercado que antes o estado administrava e, em segundo lugar, permitem ao estado liberar capital que antes era investido no setor público. As empresas privadas pedem esse capital, ou seja, cobram do estado capital que antes era investido no bem-estar social e fazem isso na forma de incentivo. Como a Ford, no Rio Grande do Sul, sob a forma de reduções de impostos e incentivos fiscais. Além disso, as grandes empresas reduzem, todos os anos, 4% do próprio pessoal. As grandes empresas estão travando fortes batalhas contra os estados e com isso obtêm um grande acúmulo de capitais, através dos incentivos fiscais, através da redução de pessoal e de investimentos em tecnologia, ao invés de investimento em homens. E o que comporta isso? As grandes empresas acumulam sempre mais e ainda se queixam, dizendo estar em crise. Essa é a tática à nível psicológico, endossada sempre por um grande número de economistas, que lhes dão razão e ainda ajudam nessa tática belicosa. E o que fazem com esse grande acúmulo de capital?. Duas coisas: em primeiro lugar aumentam de forma exponencial os salários dos altos executivos. Nas grandes empresas americanas, como a AT&T, Ford, etc.,
* Em 15 anos a diferença entre o salário mais baixo e o mais alto passou de 1 para 20 para 1 para 140
Em 15 anos a diferença salarial entre o salário mais baixo e o salário mais alto passou de 1 para 20 para 1 para 140. E a classe média americana, ou seja, perde a cada ano 1/100 do poder de compra. Em 15 anos perdemos 15% do poder aquisitivo. Então, parte desse grande acúmulo nas empresas, o grosso do dinheiro, é obtido pelos incentivos públicos, e a economia gerada pela redução de pessoal é investida na bolsa. Hoje os investimentos em todos os países industrializados do mundo reduzem-se cada vez mais, ainda que os incentivos fiscais do estado sejam obtidos com a promessa de novos investimentos. Na verdade as empresas não investem em atividades produtivas, mas sim na bolsa. A bolsa é uma espécie de imenso ciclone que gira continuamente pelo mundo. É como um grande cassino que não fecha nunca, como Las Vegas. Quando fecha Tóquio, abre Londres, quando fecha Londres, abre São Paulo, quando fecha São Paulo, abre Nova Iorque. E homens sem consciência, sem ética e sem pátria, a qualquer momento podem destruir empresas cujo pessoal não conhecem. Podem mandar para à rua milhões de indivíduos e criar crises, como a recente ocorrida no Brasil. Isso é o que os economistas americanos chamam de “turbo-capitalismo”. Infelizmente estamos muito mais preocupados, os grandes economistas americanos, e eu refiro-me a Hight e Ludwar, do que os economistas dos outros países. Então eu acho que o problema das empresas é muito maior que o das psicólogas, que no final das contas, fazem o seu trabalho e, como todas as mulheres que trabalham em lugares criativos, acabam tomando o poder, e eu espero que assim o seja.
* Neste momento ocorre uma grande guerra dos ricos contra os pobres. Nós estamos no grupo dos pobres
É preciso levar em conta que quando falamos em redução por causa de uma lacuna cultural- linguística pensamos logo na mão-de-obra. Mas hoje não se reduz apenas mão-de-obra, pelo contrário, a mão-de-obra já foi tão reduzida nas décadas anteriores que o número de operários, no final das contas, é mais ou menos respeitado, mesmo porque os operários têm maior coesão e estão acostumados à luta de classes. O que hoje se reduz são, principalmente, os gerentes, os profissionais e os dirigentes. Cada vez que há uma fusão entre duas empresas, metade de tudo isso é mandado embora. No ano passado foram demitidos 10 mil dirigentes na Itália. Estes se deixam demitir sem queixas, como os judeus, nas câmaras de gás. Se deixam demitir levando algum incentivo econômico, que vai acabar,
* As empresas estão fazendo uma dupla limpeza étnica: por um lado demitem pessoas aos 50 anos, por outro não contratam jovens. Jogam na bolsa.
e depois de alguns anos encontram-se sem dinheiro, sem poder, sem prestígio, sem trabalho, e muitos outros sem família, porque quando eram gerentes tinham deixado a família de lado, tinham negligenciado a família, então é uma grande limpeza étnica que as empresas estão fazendo. As empresas estão fazendo uma dupla limpeza étnica, de um lado demitem as pessoas, não mais aos 60 anos, 70 anos, mas aos 50 anos, demitem muito cedo, e de outro lado não contratam jovens pelos motivos que eu disse antes, porque não investem em sistemas produtivos, mas nas bolsas. Então estamos criando um bolsão duplo de desocupação, entre os jovens e entre os idosos, e eu espero que mais tarde esses dois grupos se reúnam numa luta séria, porque vejam, nos séculos XIX e XX houve uma grande dialética dos pobres contra os ricos, mas neste momento ocorre uma grande guerra dos ricos contra os pobres, e muitas vezes pessoas como eu, ou como vocês, pensam estar no grupo dos ricos e essa é a grande falácia. Nós estamos no grupo dos pobres.
* Quando eu tiver 70 anos vou me tornar terrorista
Nós somos considerados pelos ricos como estando no grupo dos pobres, somos os instrumentos de que os ricos se servem para criar o desemprego, através da tecnologia, e que depois são expulsos, por sua vez, do ciclo produtivo. Eu declaro que farei todo o possível para lutar nesta luta dos pobres contra os ricos, ficando do lado dos novos pobres, que são também os técnicos, os engenheiros, os gerentes. Depois, quando eu tiver 70 anos, se eu não tiver conseguido nada e se por acaso eu tiver perdido também a esperança de conseguir alguma coisa, então eu vou me tornar terrorista. Devem se tornar terroristas, não os jovens, que têm diante de si uma vida inteira e que podem ser colocados na prisão durante muitas décadas, têm que ser tornar terroristas os mais velhos, que têm pouco a perder e que no final das contas poderiam até se divertir um pouquinho.
* Transformamos sorte em desgraça. Ao invés de ficarmos felizes com o fato de que conseguimos produzirmos mais bens e serviços com menos esforço, criamos o desemprego
Este movimento, obviamente, se deriva de vários motivos. Uma causa é a tecnologia e outra é a globalização. São duas causas positivas, em si, porque têm como consequência, em primeiro lugar, alongar a vida humana, que dobrou em duas gerações, enquanto nas gerações precedentes tinha se mantido inalterada. Hoje vivemos cerca de 600 mil horas, enquanto o homem de neandertal vivia 300 mil horas e os nossos bisavôs viviam 350 mil horas. Então a vida se alongou, ficou maior, e diminuiu a necessidade de trabalho. Nós conseguimos produzir muito mais mercadorias e serviços com menos trabalho humano. Mas o que seriam duas grandes sortes nós conseguimos transformar em desgraças. Essa é a tragédia. Ao invés de ficarmos felizes com o fato de que conseguimos produzir mais bens e mais serviços com menos trabalho e menos esforço, criamos o drama do desemprego.
* Ricos X Pobres : Desemprego , Mídia, e Redução da Qualidade nas Escolas
Eu disse que as grandes empresas a cada ano precisam de 4% a menos de trabalho humano. Isso pode significar duas coisas, ou que demitem 4% da própria população de funcionários ou que reduzem em 4% o horário de trabalho, mas preferem demitir. Preferem criar uma massa de desempregados que vai se somar a toda a massa dos não empregados, ou seja, os jovens que ainda não encontraram trabalho, e é isso que está presente na guerra dos ricos contra os pobres, as três armas: desemprego, mídia, que acompanha essa operação sem explicar seus mecanismos, e a redução da qualidade das escolas, porque os ricos obviamente têm as suas escolas e bastam poucos ricos inteligentes e cultos para administrar com a mídia todo o sistema. Então são poucos os bons colégios, como MIT, Harvard, etc. O restante são colégios que decaem cada vez mais. Eu soube até que no Brasil os colégios públicos são frequentados principalmente pelos ricos. Quer dizer que chegamos a esse ponto, que o estado brasileiro tira dinheiro dos ricos e devolve para os ricos. Um Robin Hood para ricos. Eu nunca tinha ouvido falar nisso antes, porque na Itália a escola pública funciona mal, mas pelo menos é gratuita, feita para os pobres. Pelo menos isso. Por isso eu acho que o problema do desemprego desse sistema não vai ser rompido.
* Tony Blair: puxa-saco de Clinton
Os economistas clássicos afirmam que para vencer o desemprego é preciso fazer novos investimentos. Isso era válido na época de Kant, quando a tecnologia era básica, mas até Kant, em 1932, percebeu que com seu sistema não ia resolver isso e escreveu um belíssimo ensaio, que eu convido todos a ler, e que se chama “Perspectivas para os Nossos Netos”. Nele Kant demonstra que se no espaço de duas gerações, ou seja, a geração dos nossos jovens, porque foi escrito em 32, não for reduzida a jornada de trabalho para 15 horas semanais, o desemprego não vai ser resolvido.
* O terceiro modelo só pode nascer nos países emergentes, graças às mulheres
Se vocês derem incentivos para o empresário, hoje, ao contrário de antigamente que comprava braços humanos, hoje compra robôs, computadores. Então o problema, de forma tradicional, não é absolutamente passível de resolução. Esse é um aspecto negativo mas eu espero que a medida que a humanidade avance comece a entender. Mas deve haver pessoas mais inteligentes e mais criativas também no Brasil, então seria necessário fazer um intercâmbio entre as idéias produzidas no Brasil e as idéias produzidas na Itália. Eu acho que nós atravessamos um período muito experimental de cerca de 100 anos em que a humanidade comparou o modelo comunista com o modelo capitalista. O modelo comunista demonstrou saber distribuir a riqueza mas foi incapaz de produzi-la. O modelo capitalista está demonstrando que consegue produzir riqueza, mas não consegue distribuí-la. Então é preciso criar um terceiro modelo. Os dois primeiros foram criados nos países ricos e poderosos e eu acho que o terceiro modelo não pode ser criado por Tony Blair, que é um puxa saco de Clinton, eu acho que o terceiro modelo só pode nascer nos países emergentes, graças às mulheres. Só espero que, nós, homens, todos nós, possamos colaborar para a criação deste terceiro modelo e que este seja capaz, tanto de produzir as riquezas quanto de distribuí-las.