/Energia na Contra Mão
O novo modelo do setor elétrico foi pensado para aumentar a oferta de energia. No entanto, dependendo do crescimento da economia, a situação poderá se tornar crítica em cerca de três anos. O prazo é curto, pois são necessários cinco anos para construir uma hidrelétrica e três para uma termelétrica. Se houver problemas, o crescimento econômico será prejudicado ou a energia ficará muito cara para o consumidor.
O primeiro leilão para a construção de usinas elétricas no novo modelo, chamado leilão de energia nova, realizou-se agora em dezembro. Seu resultado não foi tão ruim como previam algumas críticas nem tão bom como diz o governo. As estatais ganharam 70% do leilão em termos de potência média. Do total de 3286 MW médios, menos de 1/3 é de hidrelétricas, sendo que destas a metade ficou a cargo das estatais que renasceram das cinzas da privatização. Dos 2274 MW médios de termelétricas, 1748 MW ficaram com o setor estatal, especialmente com a Petrobrás.
Um problema é que nem toda esta potência será realmente de novas usinas, logo não significa expansão física real do sistema. Esperava-se que o leilão resultasse em maior potência mas isto não ocorreu. Planejava-se dar prioridade à energia renovável mas de 17 hidrelétricas previstas, o governo somente conseguiu licença ambiental para sete. Como o processo de licenciamento ambiental de uma hidrelétrica é mais complicado e demorado (anos) que o de uma termelétrica (dois meses em geral), houve um grande número de usinas a óleo, a diesel e a carvão habilitadas no leilão, além de gás natural e bagaço de cana, bem melhores. Foram habilitados inclusive os geradores diesel emergenciais, que, desde o racionamento de 2001, pagamos no seguro apagão. Eles tiveram uma participação de cerca de 6% da potência térmica, cabendo ao bagaço de cana, renovável, apenas 4%, muito atrás do diesel, com 10% e do carvão com 25%. O gás natural dominou com 60% graças à Petrobrás.
O BNDES financiará 80% do valor em 14 anos sem exigir garantia corporativa. Mas não financiará as estatais, o que é um absurdo. As empresas do grupo Eletrobrás ficaram em condições desfavoráveis de receita futura para investirem porque foram levadas a vender a energia chamada velha, das usinas antigas, por valores tão baixos quanto R$ 47 por MWh, por um longo prazo. Ademais, continuaram a receber apenas R$18 por MWh pela energia que geram, sem contrato, no lugar de algumas termelétricas que ficam desligadas, mas têm contratos com distribuidoras e recebem R$ 130 por MWh sem gerar.
Quanto às termelétricas, algumas poluem muito a atmosfera e geram energia cara devido ao preço do combustível. Pelo critério adotado no leilão, venceram as termelétricas com melhor índice de custo benefício, que levou em conta o custo de investimento e o custo adicional do combustível. Este último, depende de por quanto tempo a usina será solicitada a operar ao longo de muitos anos. Isto dependerá, por sua vez, da disponibilidade de hidroeletricidade no sistema, pois as térmicas operam em complementação, já que não faz sentido queimar combustíveis, fósseis e caros, se houver água para turbinar nas barragens. Logo, tem-se de estimar o tempo de operação efetiva.
O problema é que há uma incerteza nesta estimativa. Em uma previsão otimista a termelétrica ficará desligada a maior parte do tempo, servindo para dar segurança ao sistema na eventualidade de falta de chuvas. Assim, uma usina termoelétrica pode ser ineficiente e consumir muito combustível ao funcionar, mas ter baixo custo de investimento, bem como uma geração média pequena prevista. As térmicas emergenciais a óleo ou a diesel, por exemplo, estão amortizadas, embora ao gerarem energia o custo possa ficar muito alto.
Enfim, o Brasil, que sempre se rejubilou de ter uma matriz energética com forte proporção de energia renovável, está passando da hidroeletricidade para a termeletricidade. E, consecutivamente, passa do gás natural - que mal começou a ser usado - e do bagaço de cana - que poderia ser mais usado na geração elétrica para a rede - para óleo e carvão. Estes são mais caros e mais poluentes, contribuindo mais para o aquecimento global do planeta, que esteve, coincidentemente, agora em dezembro em discussão na conferência da ONU sobre Mudança Climática em Montreal.
*Coordenador do Programa de Planejamento Energético da COPPE – UFRJ