/Especulação no Mercado e Banditismo

Data: 
25/06/2002
Autor: 
*Luiz Pinguelli Rosa

Existe algo em comum entre o comportamento político – eleitoral do chamado mercado financeiro, orientado por algumas poucas consultoras internacionais que fazem avaliação da economia, e a violência de banditismo, ameaçadora no Rio de Janeiro. Coincidentemente ambos, a ameaça de ataque especulativo no mercado e a violência, que chegou a vitimar o repórter Tim Lopes da TV Globo, se dão às vésperas das eleições quando a preferência do eleitor, em todas as pesquisas de opinião, tende ao candidato de esquerda Luiz Inácio Lula da Silva.

Além da coincidência temporal, que levanta a suspeição de um agente externo estar insuflando o banditismo, o poder que tanto o mercado financeiro quanto o banditismo ganhou no país tem uma base comum. A política econômica praticada no Brasil e na América Latina, sob a égide da globalização, exclui parcela crescente da população, desesperançada de qualquer futuro melhor. De um lado a extrema dependência do país, endividado por esta política econômica, com relação ao fluxo de dólares do exterior, de outro o estímulo à marginalidade pelo crescimento da população desempregada.

A dificuldade de jovens, em particular de famílias de baixa renda, ingressarem no mercado de trabalho, cria um verdadeiro exército de reserva para o tráfico de drogas. Completa o quadro uma profunda crise ética, desde a elite até a base da sociedade, que vem da exacerbação do individualismo e da competição em detrimento da solidariedade e do espírito coletivo. Isto é inerente à ideologia do neoliberalismo que se difunde como modelo para o comportamento dos indivíduos na sociedade.

A atitude de cinismo político revela-se em sua inteira dimensão na declaração, difundida pela imprensa, do expoente do mercado financeiro internacional, George Soros, segundo o qual quem vai, ao final das contas, decidir o futuro presidente do Brasil é o mercado financeiro e, mais especificamente o governo norte-americano. A razão é simples: se o presidente eleito não for do gosto destes atores, eles detonam a economia brasileira, pois controlam o fluxo de dólares. É como ter uma pistola apontada para a cabeça, analogia que aproxima este cenário da violência do banditismo. Nestes termos não haveria mais democracia, apenas uma farsa eleitoral, pior do que no tempo dos militares. Espera-se que a população e a elite saibam responder a este tipo de ameaça, votando com independência, caso contrário teremos selado nosso destino como um país fracassado.

Vários observações cabem neste ponto. Em primeiro lugar se o Brasil cair na crise do tipo da Argentina, não vai haver só panelaços com trocas de sucessivos presidentes. O Brasil tem uma tensão social e uma disparidade regional maiores do que na Argentina, tornando a crise muito mais explosiva socialmente. Assistimos há poucos anos nações que caíram em uma luta interna ilógica e raticida, sendo a ex-Iuguslávia o pior exemplo. Não é pendente brincar com isso. Embora não haja no Brasil as mesmas condições históricas e geopolíticas.

Na chantagem política em curso nas eleições presidenciais do Brasil, a crise Argentina paira como um fantasma, manipulado em declarações como a de Soros. Mas há uma distorção. O que levou à crise lá foi o mesmo tipo de política aqui praticada, ou seja, estamos sob forte risco, ou, talvez, estejamos no caminho da crise, ladeiras abaixo. Portanto, manter esta política econômica, como propõem o que se identificam com o atual governo, equivale a pisar no acelerador em direção ao poste à frente. O ajuizado é, não pisar no freio, pois o país não pode parar como por vezes propõem alguns críticos, mas sim dar uma guinada possível girando o volante para mudar a direção. O quanto mudar a direção, eis a questão.

Um modo empírico de ver que a atual política econômica está no caminho da crise é fazer uma projeção simples do crescimento da dívida externa do país e da dívida interna do governo. O crescimento da primeira exige um incessante ingresso de dólares, que em geral termina aumentando a dívida, na parte que corresponde à compra de títulos do governo em troca de altos juros. A dívida interna sofre o processo semelhante, exigindo receitas crescentes do governo inclusive de impostos, restituições de gastos públicos, comprometendo o crescimento e aprovando a dívida social.

A campanha eleitoral abre uma oportunidade para discutir a saída deste processo de suicídio da nação, bem ao contrário do que afirmou Soros. Há saídas possíveis? Se estamos acelerando em direção ao poste, o pior possível é deixar o Brasil irresponsavelmente bater e se destroçar . É hora de se tirar o país desta rota de colisão com todos os grupos que se dispuserem para chegar a um pacto realista.

*Diretor da COPPE/UFRJ (Coordenação dos Programas de Pós-graduação em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro)