/Estrutura Urbana, Mobilidade e Propagação da Covid-19
A propagação do Covid-19 tem se dado de forma distinta entre cidades e países. O isolamento social e mudanças de hábitos tendem a ser determinantes na contenção do vírus. Contudo, ações similares têm apresentado resultados diferentes.
Los Angeles adotou com sucesso o distanciamento social. Mas é uma cidade espraiada, com alto uso de automóvel e poucas praças de convívio intersocial, ou seja, já havia um certo distanciamento. Em New York, uma cidade compacta e de convívio social no transporte coletivo e em ambientes públicos, essa medida foi insuficiente.
Atribuir o sucesso ou fracasso apenas a essas políticas não abrange a complexidade do processo. Falta um fator proeminente: a cidade, visto que o contágio é entre seres humanos inseridos em seu habitat sociocultural. A estrutura urbana, a ocupação dos espaços e hábitos de deslocamento são imprescindíveis para entender como e com que velocidade se difunde o vírus.
Transportes e organização urbana fizeram as cidades brasileiras espraiadas e excludentes. Esta realidade exige visão diferenciada. E como não é possível alterar no curto prazo a estrutura urbana, parte importante no combate ao vírus deve se dar no escopo da Mobilidade Urbana, com destaque na rede de transporte público.
Como agravante, no Brasil, e no Rio de Janeiro em especial, os serviços dependem das tarifas e os operadores alegam dificuldade em garantir oferta adequada à necessária baixa ocupação. Além disso, a falta de dados operacionais confiáveis e de informações detalhadas da demanda, dificultam avaliar o problema; e a própria Covid-19 atinge trabalhadores do setor, que estão expostos e sem a proteção plena que essa doença exige.
Cabe, dentre várias medidas, redesenhar linhas e horários de transporte público, priorizar viagens curtas a tarifas baixas — favorece atividades locais, reduz o tempo de exposição etc. — e impor efetivo controle da ocupação veicular. E não se exclui possível restrição à circulação de veículos. Recursos financeiros são imprescindíveis.
Enfim, a Mobilidade mais que um bom indicador da eficácia de políticas públicas de isolamento, é um instrumento a ser integrado à essas políticas, e seu mecanismos utilizados na redução da velocidade de contágio do Covid-19 e de outras pandemias que, eventualmente, venhamos a enfrentar.
* Romulo Orrico é professor do Programa de Engenharia de Transportes da Coppe/UFRJ
** Guilherme Leiva é professor do Cefet-MG
* Artigo publicado no Globo online, dia 28/05/2020