/Falta de Energia e de Patriotismo

Data: 
13/04/1999

A Time de 29/3 elenca entre os maiores nomes do século os irmãos Wright pela invenção do avião, homenageados em artigo do Bill Gates que sequer cita Santos Dumont. Ignora-o. O patriotismo norte americano, que chega a ser provinciano neste caso, contrasta com o esnobismo cosmopolita e anti-nacional da nossa elite dirigente. A área econômica do governo ignora o setor de ciência e tecnologia nacional. Cuida mais da intermediação de negócios e do jogo financeiro de bancos do que de atividades produtivas importantes e tecnológicas, que querem entregar a empresas estrangeiras.

O governo insiste no rumo que levou ao colapso do sistema elétrico, ignorando advertência de técnicos. Dois artigos que publiquei de dois anos para cá denominam -se "Erro da Área Econômica Causará Blackout" e "Da Falta de Luz à de Combustíveis". A luz já falta. A de combustíveis depende do destino da Petrobras. Ela desenvolve tecnologia no país. O problema não é o seu novo presidente. Discordo da crítica feita a ele por ter nascido na França. O problema é o novo Conselho da Petrobras nomeado pelo governo com amplos poderes. Nele poucos entendem de petróleo e alguns são antagônicos à empresa e até defensores de competidores. Por outro lado foi dado prazo inviável para ela implantar poços em áreas de concessão. O presidente da República disse na ESG que vai reduzir as dimensões da Petrobras no refino e na distribuição. Mas a indústria de petróleo é verticalizada e de grande escala. Está havendo fusões de empresas como a Exxon-Mobil e a BP-AMOCO-Atlantic. Se fragmentar a Petrobras a tendência é a sua inviabilização, embora o governo negue desejar isto. Pode ser exigência secreta do FMI?

No setor elétrico estão controlando as empresas privatizadas grupos norte americanos, franceses, espanhóis, portugueses, chilenos e panamenhos, alguns estatais. Nenhum tem experiência com um sistema hidroelétrico e alguns têm pouca competência em energia elétrica. A energia ficou cara e cresceu o risco de déficit e de blackout.

O governo divulgou que foi um raio na subestação da CESP em Bauru a causa do blackout no dia 11/ 3. Isto pode dar margem às empresas privatizadas contestarem na Justiça o direito de indenização dos consumidores reconhecido pela ANEEL. A essência do problema é saber se houve um evento maior improvável, contra o qual a tecnologia usual disponível não permite proteger o sistema, como uma descarga romper a proteção da subestação fazendo cair todas as suas linhas, ou se houve um evento trivial, como uma descarga atmosférica na linha de transmissão. É extremamente improvável um raio tirar de operação uma subestação inteira, protegida contra raios. A informação do raio só foi conhecida no segundo dia após o acidente. Isto poderia ser verificado nos sensores que medem campo magnético nas áreas ao longo das linhas e localizam onde caem os raios.

Pelo que se verifica não caíram descargas atmosféricas em Bauru no dia 11/03/99, segundo a detecção pelos sensores. As descargas atmosféricas detectadas distam alguns quilômetros de Bauru. Se o raio não caiu na subestação mas sim na linha pode ter causado um pulso elétrico que só pode ter entrado na subestação e a desligado por falta de proteção adequada e se já houvesse algum problema nas linhas. Dei esta interpretação desde o início em declarações na imprensa e na TV, nem todas divulgadas.

O sistema caiu porque operava com alto risco por falta de investimento. O Brasil desenvolveu um sistema interligado raro no mundo mas muito eficaz até agora, com hidroelétricas distantes, de bacias hidrográficas diferentes ligadas em uma rede com grandes cargas que demandam, energia e potência concentradamente como São Paulo, Rio, Belo Horizonte. Este sistema opera em base cooperativa previamente planejada para usar a água de forma otimizada, com acumulação plurianual em reservatórios. A desotimização hoje é evidenciada por estar rareando a água em alguns reservatórios. A operação tinha de ter sido ajustada a tempo para economizar água nestes, transferindo a geração para outras usinas. Mas faltam usinas e falta transmissão. O setor privado não investiu. O sistema está operando com pouca margem e alto risco.

Coloquei estas questões na reunião de que participei na SubComissão de Infra-estrutura do Senado, com o ministro de Minas e Energia e os presidentes da Eletrobrás, da agência reguladora, ANEEL, e do operador, ONS. O fato de o Ministério de Minas e Energia ter recuado, admitindo ter sido precipitada a transferência da operação do sistema para a responsabilidade do setor privado, é importante. Por coerência deve o Governo Federal rever a cisão de Furnas Centrais Elétricas em empresas a serem privatizadas, o que poderá aumentar o risco em um sistema já vulnerável, como ficou evidenciado no blackout. Furnas é o coração do sistema interligado do Sudeste/Centro-Oeste/Sul, sendo responsável pela interligação de Itaipú-Binacional. Está em tempo de parar para pensar.

*Vice-Diretor e Professor do Programa de Planejamento Energético da COPPE/UFRJ