/O Blackout
Ainda pairam algumas dúvidas sobre o problema da energia elétrica no país decorrente do blackout que atingiu várias estados, mais drasticamente São Paulo e Rio de Janeiro. É preciso esclarecer que o que ocorreu nessa terça-feira foi totalmente diferente do chamado apagão de 2001, quando o governo decretou um racionamento obrigatório de energia elétrica para toda a população, sob pena de desligamento de residência ou empresa por alguns dias, caso não cumprissem o corte no consumo. Naquela ocasião havia falta de energia para atender a demanda, pois esta vinha crescendo mais rapidamente do que a capacidade instalada no país. Enquanto houve chuvas suficientes para geração hidrelétrica, o sistema funcionou e o problema foi adiado. Quando as chuvas se reduziram, os reservatórios estavam vazios e faltou energia no sistema.
Alertei o Presidente Fernando Henrique, por uma carta, como coordenador do Instituto Virtual da Coppe/UFRJ, e cheguei a conversar com o ministro José Jorge, de Minas e Energia. Naquele caso houve falta de investimento. As estatais elétricas, a começar pela Eletrobrás, reduziram seus investimentos, pois aguardavam a privatização. Já as empresas privatizadas, a maioria delas distribuidoras nos estados, pouco investiram.
O problema da última terça feira tem mais semelhança com o blackout de 1999, que também desligou São Paulo e muitas outras cidades, algumas por muito mais horas do que o recente incidente. O problema se originou em uma subestação de transformadores em Bauru, causado por uma sobretensão elétrica, supostamente devido a um raio que atingiu a linha de transmissão a muitos quilômetros de distância e se propagou até a subestação que deveria estar protegida. Como não estava, o sistema falhou.
O que ocorreu nesta semana foi a interrupção de três linhas que trazem a energia de Itaipu ao Sudeste, acarretando o desligamento de todas as turbinas da usina e causando o desligamento de várias outras linhas em cascata. Daí a propagação do blackout ter atingido tantas cidades. O efeito é como uma série de pedras de dominó que caem uma por cima da outra. O desligamento das linhas em sobretensão é correto, pois as protege e evita danos a equipamentos e perdas de transformadores por sobrecarga. Portanto, o desligamento automático das linhas de transmissão é inevitável em certos casos críticos como este. Os efeitos seriam muito piores o desligamento não ocorresse.
No entanto, algumas questões ainda precisam ser respondias. A primeira delas é o que causou a sobrecarga. Uma hipótese aventada é que raios tenham causado tudo isto. Três linhas sofreram colapso, entretanto todas são protegidas por pára-raios, que são fios paralelos ao longo das linhas. Talvez uma delas tenha sido atingida, a sobretensão tenha se propagado indevidamente para dentro da subestação onde as outras também tenham sido afetadas. É uma hipótese.
Como evitar a repetição de blackouts? Não há sistema tecnológico com 0% de falhas. O que pode ser feito é minimizá-las, tanto na frequência de ocorrências deste tipo como na gravidade delas. Eliminar o uso da transmissão de longa distância seria uma bobagem, pois o Brasil é uma Arábia Saudita hidrelétrica. Integrando em um longo tempo a energia que se pode obter do potencial hidrelétrico brasileiro o resultado é maior que a energia do petróleo do Pré-sal. O sistema interligado é inteligente, pois otimiza o uso da geração hidrelétrica, complementada por outras fontes.
Uma proposta que tem sido recentemente estudada em todo o mundo é o de redes elétricas inteligentes, ou seja, fazer uma gestão melhor das redes para diminuir incertezas, evitar problemas de pico de tensão e falhas, com um sistema de controle ponto a ponto ao longo das redes. Nos Estados Unidos, Nova York sofreu um blackout em 2003, que sob certos aspectos foi mais grave. Há poucos meses o professor Pravin Variaya, da Universidade da Califórnia, em Berkeley, esteve no Programa de Planejamento Energético da Coppe para participar de um seminário sobre estas redes inteligentes de energia elétrica. Mas os estudos ainda precisam avançar, inclusive para prevenir vulnerabilidades como o acesso indevido à rede por hackers.
O que se mostrou vulnerável, aqui no nosso caso, foi a enorme extensão da área atingida e a grande população que sofreu as consequências, pois não se conseguiu ilhar a propagação do efeito para circunscrever suas conseqüências a uma região menor. É necessário apurar os fatos para corrigir as falhas e aperfeiçoar o sistema.
*Diretor da Coppe/ UFRJ
Artigo publicado no jornal Folha de São Paulo no dia 13 de novembro de 2009.