/O futuro chegou

Data: 
11/05/2017
Autor: 
Paulo Emilio V. de Miranda *

A ciência e a arte se entrelaçam com frequência. Mas há um exemplo marcante pelo surgimento tão precoce em relação à aplicação social a que se refere. Trata-se de um livro de Júlio Verne, escrito em 1874, “ A Ilha Misteriosa”. Nele, um dos seus personagens diz ao outro: “um dia, água será empregada como combustível. O hidrogênio e o oxigênio, utilizados isolada ou simultaneamente, fornecerão fonte de calor e luz inesgotáveis e de uma intensidade de que o carvão seria incapaz. A água é o carvão do futuro.”

Pois bem, esse dia e o futuro chegaram!

Isso porque a água contém o elemento químico mais abundante do universo, o hidrogênio. E este compõe um gás de mesmo nome, que vem a ser o combustível com o maior conteúdo energético dentre todos os que conhecemos. Atualmente, o hidrogênio ainda é usado como um produto químico, nas indústrias siderúrgicas, refinarias, químicas, petroquímicas, de processamento de alimentos e muitas outras.

Mas nós vivemos hoje, no Brasil e no mundo, o alvorecer da energia do hidrogênio. Isto é, uma era em que o hidrogênio será efetivamente usado como combustível. O hidrogênio será usado em um dispositivo denominado pilha a combustível, também inventado no século 19, mas que somente agora nos chega sob a forma de um equipamento que se tornou um produto industrial.

A pilha a combustível promove reação eletroquímica, sem combustão, do hidrogênio com o oxigênio do ar, para produzir eletricidade, calor e um rejeito muito especial: a água; pura, limpa e cristalina. Ora, se o hidrogênio é produzido a partir da água e, ao ser usado numa pilha a combustível para gerar eletricidade, tem como rejeito a própria água, fecha-se um ciclo virtuoso no uso de um combustível que dificilmente seria hoje concebível.

Mas, o hidrogênio e biogases podem ser também produzidos pela biodigestão ou pela gaseificação de quaisquer biomassas, inclusive usando rejeitos da agroindústria, industriais e antrópicos. No Brasil, ainda se pode realizar a reforma a vapor do etanol, aqui produzido em larga escala.

A combinação entre energia do hidrogênio e energias renováveis é muito promissora. Isso porque a intermitência de geração das energias renováveis pode ser controlada produzindo-se hidrogênio quando há excesso de capacidade, e utilizando-o para gerar eletricidade quando há excesso de demanda. Portanto, o hidrogênio é um vetor energético que atua como armazenador de energia.

Veículos, residências, comércio e indústria e os dispositivos móveis usarão pilhas a combustível para gerar eletricidade e calor. Isso fará com que elas venham a ter para o século 21 a mesma importância que os computadores tiveram para o século 20.

Atualmente, no Japão, há 150.000 residências que testam a geração distribuída de eletricidade e calor com pilhas a combustível. No Brasil, desenvolvemos, no Laboratório de Hidrogênio da Coppe/UFRJ, em parceria com Furnas, um ônibus híbrido elétrico-hidrogênio com a melhor eficiência energética já reportada.

Esse alvorecer de uma nova época com combustível limpo, sustentável e perene, é brindado no Brasil com dois acontecimentos relevantes. Um deles é a criação da Associação Brasileira do Hidrogênio, que chega para conscientizar a sociedade sobre os benefícios da energia do hidrogênio, para atuar no estabelecimento de processos tecnológicos e suas normas de utilização, assim como para incentivar desenvolvimentos inovadores.

O outro é a realização no Rio de Janeiro, em junho de 2018, da Conferência Mundial de Energia do Hidrogênio, a qual se realiza a cada dois anos desde 1976 e ocorrerá no Brasil pela primeira vez.

É muito interessante quando se tem a consciência de estar no presente e com os pés no futuro, que avança a passos largos. Esse é o caso atual, quando o gás hidrogênio e os múltiplos compostos que contêm o elemento químico hidrogênio em quantidade são portadores de uma nova fonte e uma nova era de energia para a humanidade.

* Professor e coordenador do Laboratório de Hidrogênio da Coppe/UFRJ.

– Artigo publicado no Globo Online em 10/05/2017 .