/Coimbra é homenageado pelo MAST no lançamento do Dicionário Biográfico de Cientistas Brasileiros
O criador da Coppe/UFRJ, professor Alberto Luiz Coimbra (1923-2018) foi homenageado pelo Museu de Astronomia e Ciências Afins (Mast) no dia 23 de agosto, em ocasião que marcou o lançamento do Dicionário Biográfico de Cientistas Brasileiros. Em tempos bicudos para a ciência brasileira, a trajetória do visionário professor foi destacada sobretudo porsua atuação na criação da Coppe, cujo modelo por ele implementado serviu de referência para outros cursos de pós-graduação no país, na Engenharia como em outras áreas do conhecimento, e também pelas instituições que dela germinaram(*).
O evento é parte das homenagens do “Projeto Cientistas Brasileiros - Base de Dados Prosopográfica”, promovido pela Coordenação de História da Ciência e da Tecnologia do Mast, e contou com a presença da viúva do professor, dona Marlene, e de seus filhos Alberto Felipe, Carlos Alberto e João. Também estavam presentes o diretor da Coppe, professor Edson Watanabe, o diretor de Relações Institucionais da Coppe, professor Luiz Pinguelli Rosa, além do ex-diretor da Coppe, professor Sandoval Carneiro, e do coordenador do Programa de Engenharia Química da Coppe, professor Frederico Tavares.
Redigido pelo historiador Sérgio Lamarão, que atuou como pesquisador visitante no Mast, o Dicionário traz minibiografias dos primeiros 100 cientistas agraciados com bolsas e outras modalidades de auxílio pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), do início dos anos 50 a meados dos anos 60. Constam do Dicionário cientistas consagrados como Leite Lopes, César Lattes, entre outros.
A obra permite análises variadas, sob a perspectiva de gênero, de religião, ou mesmo de engajamento político. “Atribuímos, equivocadamente, às ciências duras uma posição mais à direita, mais pró-establishment. Mas o recorte dos 100 nomes mostra que muitos desses cientistas foram perseguidos e presos durante a ditadura, como o casal de físicos Amélia e Ernst Hamburger”, relatou o historiador. “Foi um prazer imenso redigir esses 100 verbetes. Aumentou muito o meu conhecimento de Brasil conhecer as histórias destes grandes cientistas”.
Na avaliação de Heloísa Bertol, pesquisadora titular do MAST, a homenagem ao professor Coimbra no bojo de um projeto que visa valorizar a ciência brasileira, ganha significado especial, em um momento em que ela sofre cortes orçamentários em todas as instâncias. “Professor Coimbra é um exemplo de persistência e tenacidade, da luta para se conceber uma instituição. É mais do que oportuno valorizar um trabalho como o dele, que elevou a ciência brasileira ao máximo reconhecimento”, reconheceu a pesquisadora.
O evento contou ainda com a participação da diretora do Mast, Anelise Pacheco; do pesquisador Jefferson Alves, que apresentou o sistema Prosopon, desenvolvido pelo Museu, com as informações historiográficas trazidas pelas bolsas concedidas pelo CNPq, desde sua criação em 1951.
Visão crítica da realidade brasileira e do panorama mundial
O pesquisador do Mast, Carlos Alberto Coimbra, filho do criador da Coppe, elencou duas características da trajetória de seu pai que considera mais importantes de trazer à memória. “A primeira, a sua visão de Educação. A valorização do docente. Sem um docente valorizado, trabalhando com reconhecimento, não existe Educação. Meu pai acreditava no docente como guia, como orientador nesse campo desconhecido (para o aluno)”.
Também destacou sua visão crítica da realidade brasileira e do panorama mundial. “Ele acreditava que realidade social é construída, e para isso engenheiros e cientistas deveriam ser chamados, pois ambos têm na sua formação a tarefa de compreender e corrigir os problemas da nossa realidade,” ressaltou.
Durante o evento, o diretor da Coppe, professor Edson Watanabe, explicou porque tem preferido chamar o professor Alberto Luiz Coimbra de “criador da Coppe”, em vez de “fundador”, como é identificado no meio acadêmico. “Lá no Japão (onde Watanabe realizou seu doutorado), o professor é reconhecido não apenas pela qualidade das aulas. Alguns são considerados especiais e dizem que eles criam alunos. Eu pesquisei e descobri que o ideograma usado para ‘criar alunos’ é o mesmo usado para ‘criar filhos’. O conceito é criar pessoas para que sejam independentes e caminhem sozinhas. Neste sentido, creio que o Coimbra era exatamente isso, pois ele, de fato, criava pessoas e ele criou a Coppe, pois ao sair, legou uma instituição contagiada com suas ideias de dedicação exclusiva, excelência, trabalho na universidade e não fora. Ele criou para a gente andar sozinho”.
De acordo com professor Watanabe, Coimbra defendia a valorização da atividade docente não somente na pós-graduação. “Ele defendia que essa valorização alcançasse a graduação - acho que já chegou -, o ensino médio e o ensino fundamental. Aí, sim, talvez tivéssemos o Brasil que ele queria”, afirmou o diretor da Coppe.
A ideia era fertilizar a universidade
A homenagem ao professor Coimbra foi marcada, sobretudo pela apresentação historiográfica minuciosa do pesquisador Elias Maia – doutor em História da Ciência com a tese “O início da pós-graduação em engenharias na UFRJ: o surgimento e primeiros anos da Coppe” – e pelo relato do professor Pinguelli, que deliciou a plateia com passagens bem-humoradas do seu convívio com o professor Coimbra, destacando sua atuação e importância para a Educação e para o Brasil, e se emocionou ao falar de sua admiração pessoal pelo criador da Coppe.
Pinguelli concordou com o professor Watanabe. Para ele “Coimbra deve ser chamado de “criador da Coppe”, pois foi sua percepção visionária e ousadia que levou a instituição em poucos anos a criar a maioria (11) dos programas acadêmicos que mantém até hoje. Apenas dois programas da Coppe não foram criados por ele (Planejamento Energético e Nanotecnologia). Coimbra mostrou ousadia ao criar programas como os das Engenharias Biomédica, Nuclear e de Produção, casamentos da Engenharia com a Medicina, a Física e a Economia. Ele tinha uma ideia de fertilizar a universidade. Contribuiu na criação de novas instituições de pós-graduação que nasceram na Coppe como o Ippur, o NCE, e de cursos de pós-graduação na Matemática, na Economia (era chamado ECOTEC, Economia da Tecnologia) e a própria Coppead. Essa ousadia do Coimbra era incrível”, enalteceu.
Pinguelli também lembrou que a Coppe foi criada sobre três pilares. “O primeiro é a dedicação exclusiva em tempo integral. O Coimbra ficava na porta, com o relógio na mão, controlando a entrada. E mandava bilhetes, que nem o Jânio Quadros, se a pessoa não cumprisse o horário. Ele tomava conta e tinha preocupação enorme com tudo. Na época isso era possível, pois a Coppe era menor. Se o Watanabe tentasse fazer isso hoje em dia, enlouqueceria. Outro pilar é a qualidade acadêmica: o professor não poderia assumir o cargo e descansar; e o terceiro é a relação institucional com as empresas. Engenharia sem contato com empresas é que nem médico sem contato com pacientes”, ressaltou Pinguelli.
A criação do Funtec e a expansão da Coppe
De acordo com o diretor de Relações Institucionais da Coppe, a instituição atraía os melhores professores, mesmo de outras áreas do conhecimento, como o cientista político Wanderley Guilherme dos Santos, e o economista Antônio de Castro. Graças a sua ousadia, que possibilitou à Coppe firmar relações com o BNDE (à época, Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico, o “s” seria acrescentado à sigla somente em 1982) e fundações internacionais, como Ford e Rockfeller, Coimbra conseguia trazer esses docentes e pesquisadores para a Coppe. “Mas havia um teto para a remuneração, e este teto era estabelecido por meritocracia. Já naquela época, Coimbra havia instalado uma comissão de avaliação de docentes”.
O apoio do BNDE ao desenvolvimento da pós-graduação brasileira, em particular da Coppe, foi destacado na apresentação do pesquisador Elias Maia. O economista José Pelúcio, chefe do quando soube da iniciativa, foi à Coppe para falar sobre um fundo que o banco mantinha para a formação de profissionais qualificados, e definiram as regras dos acordos que seriam formalizados a partir de então. Assim, foi criado em 1964 o Fundo de Desenvolvimento Técnico-Científico (Funtec), para financiar, a fundo perdido, a formação de professores e pesquisadores de alto nível nas universidades. O primeiro financiamento realizado pelo Funtec foi para o curso de Mestrado em Engenharia Química, do então Instituto de Química da Universidade do Brasil. O banco apoiou também a criação do Mestrado em Engenharia Mecânica, e, então, com dois cursos de Pós-Graduação em Engenharia, o professor Coimbra pode fundar a Coppe.
Segundo Elias, em relato transcrito em sua tese de doutorado, o professor Carlos Augusto Perlingeiro, que fora aluno da primeira turma de Engenharia Química da Coppe, afirmara que foram os recursos do Funtec que permitiram a expansão das atividades da Coppe, com a instalação e modernização de laboratórios, aquisição de mobiliário e utensílios, e pagamento dos profissionais. “Coimbra era um engenheiro diferente. Encontrei nele aquelas ideias de desenvolvimento econômico que haviam sido formuladas na Cepal”, relatou Perlingeiro.
O próprio professor Coimbra destacou a importância desta parceria com José Pelúcio, em depoimento à jornalista Terezinha Costa, também presente na tese de doutorado de Elias. “Funtec foi o nome mágico que ajudou a pós-graduação no Brasil e foi uma grande honra para a Coppe ter sido a primeira a ser ajudada pelo BNDE. Um banco ajudando a ensinar. Isto era uma novidade”, afirmou, na época, o criador da Coppe.
De fato, a visão de Coimbra e a percepção de Pelúcio foram fundamentais para a rápida expansão das atividades da Coppe. Em 1966 a instituição já contava com quatro programas de pós-graduação em Engenharia (Química, Mecânica, Metalúrgica e Elétrica), reunindo 70 alunos em tempo integral, cursando 30 disciplinas oferecidas por 18 professores (10 brasileiros e oito estrangeiros). No ano seguinte, já eram sete programas (Engenharia Civil, de Produção e Naval), com 150 alunos matriculados, 35 professores, 15 estrangeiros.
A diversidade do corpo docente era uma marca da visão acadêmica do criador da Coppe. “Ele defendia naquele tempo a interdisciplinaridade. Para ele, os docentes de uma instituição não devem todos ter a mesma formação. Por isso, Coimbra enviava seus alunos para os mais diversos centros. Além disso, havia variedade na colaboração internacional. Os professores estrangeiros vinham das mais diversas áreas e mais variados países”, acrescentou o pesquisador Carlos Alberto Coimbra.
Saiba mais sobre a trajetória do professor Coimbra, na seção Perfil, do Planeta Coppe Notícias, e confira abaixo o depoimento do criador da Coppe, no Youtube.
- Publicado em - 30/08/2018