/Sistemas desenvolvidos por pesquisadores da Coppe são adotados pelo Cern para os principais experimentos do colisor de partículas
O cientista canadense James Peebles, que acaba de ganhar o Nobel de Física de 2019, é mais um pesquisador premiado por estudos sobre a origem do universo. Em 2013, o físico Peter Higgs foi agraciado com o Nobel pela descoberta do Bóson de Higgs, partícula que confere massa a todas as demais e permite a existência de vida. O Bóson de Higgs teve sua existência comprovada em 2012, pelo Cern (Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear), maior laboratório de física de partículas do mundo. Parte dos testes foi realizado no Atlas, o maior experimento de detecção de partículas do laboratório, que contou com a contribuição de pesquisadores brasileiros, há alguns anos sob a liderança do professor José Manoel de Seixas, da Coppe/UFRJ.
A Engenharia tem dado uma importante contribuição às pesquisas no Cern. Os pesquisadores do Laboratório de Processamento de Sinais (LPS) da Coppe, coordenado por Seixas, além de participar do desenvolvimento do Neuralringer, sistema de filtragem online que permite selecionar a informação de interesse científico gerada pelas colisões de partículas detectadas pelo Atlas, também são responsáveis pela maior parte dos sistemas de informação utilizados no Cern.
Mais de 30 sistemas de tecnologia da informação desenvolvidos por pesquisadores da Coppe/UFRJ vêm sendo utilizados com sucesso nos principais experimentos do Large Hadron Collider (LHC), o acelerador do maior laboratório de física de partículas do mundo, o Cern. Tais softwares que integram três gerações de tecnologias concebidas por pesquisadores brasileiros dão suporte às investigações realizadas pelos cientistas do laboratório europeu. Em julho/2017, o Cern assinou um acordo com a Coppe, e os sistemas passaram a ser utilizados em três dos quatro maiores experimentos de detecção de partículas do laboratório europeu (Atlas, Alice, e LHCb. O CMS ainda não usa os sistemas, mas está em vias de fazê-lo). Este ano, a parceria foi reforçada com a inclusão da Twist, startup criada por ex-pesquisadores do LPS que já atuaram no Cern, que passou pela Incubadora de Empresas da Coppe e, hoje, é empresa residente no Parque Tecnológico da UFRJ.
Nos experimentos do Cern o volume de informação gerada é tão grande que para ser armazenado necessita de diferentes bancos de dados. “Nossa tecnologia organiza esses dados e os apresenta de maneira que o usuário possa navegar selecionando seus grupos de interesse. É como procurar uma agulha no palheiro. E mesmo pessoas que não conhecem a tecnologia ou a modelagem do banco de dados, conseguem encontrar o que procuram. Por essa razão, os sistemas se mostraram eficientes”, relata a pesquisadora da Coppe, Carmen Maidantchik.
Segundo Carmen, esses sistemas foram concebidos para apoiarem os três “P”s da colaboração: Pessoas, Publicações e Peças. Alguns destes softwares apoiam a futura configuração do detector. O sistema - Atlas Central Equipment System (Aces) - já está em produção para registrar as futuras mudanças que ocorrerão em 2019/2020 e 2024/2025 durante as fases de atualização do detector. “O ACES dá suporte a gestão e ao rastreamento de todos os equipamentos do Atlas, centralizando as informações das peças, posicionamento e cabeamento”, relata a pesquisadora da Coppe.
Localizado entre França e Suíça, o Cern reúne 12 mil pesquisadores de mais de 100 nacionalidades, dos quais 131 são brasileiros, e cuja principal missão é descobrir a origem do universo. O Centro europeu é responsável pela criação do protocolo www, aceito internacionalmente como padrão para navegação na internet, e pela descoberta do bóson de Higgs, conhecida como "a partícula de Deus", a qual permite que matéria tenha massa.
Colaboração: sem hierarquia, mas com ordem
Um dos sistemas mais utilizados pelo Atlas é o Membership, utilizado, por exemplo, para verificar quais colaboradores serão incluídos como autores nas publicações científicas resultantes das pesquisas realizadas no Cern. “Para ser incluído como autor, o pesquisador tem que passar por um processo de qualificação e colaborar com um dos projetos do detector por um tempo específico (tipicamente um ano). O Membership gera a lista de autores e gerencia todas as informações da colaboração, inclusive de quais atividades cada membro participa, respectivos contratos com os institutos e universidades participantes do experimento, apresentações, cargos, agências de fomento, etc. Em cada publicação, uma lista de autores atualizada é gerada pelo sistema”, explica Carmen.
O Membership também torna possível ver quem, dentre os colaboradores do experimento, tem a competência requerida para a atividade em questão. Segundo a pesquisadora da Coppe, experimentos do Cern como o Atlas, por exemplo, não têm uma hierarquia definida. A colaboração é democrática onde um porta-voz é eleito para representar cada grupo. Não contratam pesquisadores para demandas específicas de trabalho. “É difícil ter um modelo de empresa para uma colaboração internacional como essa”, esclarece.
Outro sistema que apoia o processo de elaboração de artigos científicos é o Analysis. “Por ano, o Atlas gera mais de 100 publicações. Como cada uma precisa ser subscrita por todos os colaboradores do mesmo, esse sistema provê o auxílio necessário. Recupera a lista de autores mais recente do Membership, verifica se os critérios estão de acordo com os editores e apoia cada etapa do processo de publicação. O artigo passa por diferentes fases até a submissão. Na verdade, são vários sistemas Analysis: para artigos, para conferências, para notas técnicas e para os gráficos resultantes das análises físicas”, detalha Carmen.
Uma parceria de longa data
Desde que o visionário cientista inglês Tim Berners-Lee desenvolveu no Cern o World Wide Web (www), a Coppe colabora com o laboratório europeu no desenvolvimento de tecnologias de informação em plataforma web. Ao adotar nos anos 1990 a plataforma www como a principal forma de comunicação no experimento Atlas, a equipe de engenharia de software coordenada pela pesquisadora Carmen Maidantchik, do Programa de Engenharia Elétrica da Coppe, desenvolveu tecnologias adequadas para a colaboração. O grupo da Coppe já tinha experiência com a Web, e à medida que as soluções eram criadas para atender às demandas surgidas na rotina de trabalho, surgiam as inovações. Essa “família” de tecnologias se encontra atualmente na terceira geração.
Em 1988, um grupo formado pelos professores da Coppe Zieli Dutra, Luiz Calôba, Antonio Carneiro de Mesquita Filho, Ana Regina Rocha e Jano Moreira visitou pela primeira vez as instalações do Cern, na Suíça. Desde então, a Coppe se juntou ao esforço internacional para investigar a origem do universo.
"No final da década de 90, já usando a web, criamos um sistema de controle de qualidade dos equipamentos do Atlas. Esse software se demonstrou muito eficiente, dando origem, algum tempo depois, à tecnologia que denominamos Glance, caracterizada pela representação simplificada de uma modelagem de dados complexa. A extensão desta inovação, que titulamos Fence - Front-end to Glance - é a 3ª geração das tecnologias concebidas pela nossa equipe. A partir do Fence, os quatro principais experimentos do LHC utilizam esta tecnologia 100% brasileira", explica a pesquisadora. “Identificam as necessidades e os requisitos e nós vamos desenvolvendo as tecnologias e fazemos o conceito se concretizar, virar software”.
No Laboratório de Processamento de Sinais (LPS) da Coppe, Carmen coordena uma equipe de alunos de graduação em Engenharia Eletrônica e de Computação; Computação e Informação; Controle e Automação. Desde 2003, esses alunos da graduação da Engenharia da UFRJ passaram a estagiar no Cern, mantendo uma equipe permanentemente presente junto aos experimentos. A partir de 2012, o Atlas começou a financiar as bolsas de estudo dos alunos aqui no Brasil e, em julho/2017, o Cern assinou um acordo com a Coppe para subsidiar as pesquisas na UFRJ.
No momento, o Cern passa por uma parada técnica de dois anos para upgrade de seus equipamentos. Nesse período, o laboratório estará aberto ao público, que poderá visitar as cavernas com as instalações que já permitiram a descoberta do bóson de Higgs, componente fundamental do modelo padrão da física das partículas.
Segurança e confiabilidade reforçadas
Durante o período de construção dos experimentos que compõem o Cern, sua complexidade levou à necessidade de criação de um sistema capaz de rastrear a infinidade de equipamentos utilizados. Com essa finalidade, a equipe de pesquisadores da Coppe desenvolveu o Traceability, que é responsável pelo monitoramento de cada peça ou máquina. Existem duas versões deste sistema, um para o Atlas e outro para o experimento LHCb. “Usamos código de barra para identificá-los. O Traceability pode buscar qualquer equipamento do experimento e constrói a estrutura hierárquica correspondente. Cada vez que um equipamento entra ou sai da caverna subterrânea onde o detector se encontra, a sua radioatividade é medida e, caso detectada, o software disparará alertas quando outras peças próximas forem manipuladas”, descreve a pesquisadora.
Outros sistemas muito importantes para o cotidiano das operações desenvolvidas no Cern são o Cables e o Rack Wizard. “Cada experimento reúne dezenas de milhares de cabeamentos que conectam os equipamentos. O sistema Cables registra e recupera tais dados, apontando onde está cada um, quais os seus atributos e propriedades. Já o Rack Wizard é um sistema de posicionamento, que navega pela estrutura do detector e identifica quais equipamentos estão localizados em cada lugar. Foi amplamente utilizado tanto no Atlas quanto no CMS (Compact Muon Solenoid)”, explica Carmen.
Se algo der errado, o experimento Atlas do LHC também conta com um amplo sistema de alarmes desenvolvido por pesquisadores da Coppe, denominado Alarms Viewer, que são disparados caso sejam constatados indícios de elevação de temperatura, radioatividade, fogo ou inundação. O sistema registra e acompanha todos os alarmes.
“Há plantonistas full time capazes de solucionar problemas que eventualmente possam ocorrer. Mas caso precisem de ajuda extra, desenvolvemos ainda o sistema Shift Account Management System (SAMS) para o experimento Alice, que distingue as pessoas chaves, que ficam on call, caso surja algum problema que o plantonista não saiba resolver”, acrescenta. “Para o experimento Alice fizemos um sistema de gerenciamento de plantão. O sistema funciona 24 horas, sete dias por semana, e a cada 8 horas troca os plantonistas. Como é uma colaboração internacional, tem que ser proporcional ao número de pessoas e à contribuição de cada instituição de pesquisa. A coordenação do Cern se preocupa em não discriminar pessoas que começaram há pouco tempo, homens, mulheres, diferentes nacionalidades, diferentes áreas de atuação. Ao mesmo tempo, precisa garantir que cada plantonista tenha passado por um treinamento. Como o Cern está em constante evolução, o conhecimento necessário para fazer um plantão hoje não é o mesmo exigido há alguns meses”, relata Carmen.
- Publicado em - 10/10/2019