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/Carolina Naveira Cotta: uma atleta na engenharia
Carioca, nascida no Leme, Carolina Naveira Cotta, 37 anos, toca a vida com performance de atleta. Na universidade, revela a craque que deixou as quadras para atuar no campo da ciência. Seu dia parece ter 32 horas: ministra aulas, pesquisa, orienta, cobra com rigor a produção dos alunos, publica artigos, ganha prêmios e administra uma família com três filhos, Victor, Clara e Gabriel, com 15, 8 e 7 anos, respectivamente. Mas o que mais intriga os que com ela convivem é vê-la fazer tudo isso como se estivesse jogando um amistoso.
Graduada em Engenharia Mecânica pela UFRJ (2004), concluiu o mestrado e doutorado no Programa de Engenharia Mecânica da Coppe, em 2006 e 2009, sob a orientação dos professores Renato Cotta e Helcio Orlande, respectivamente. No mesmo programa fez seu primeiro pós-doutorado, concluído em 2011. O segundo na University College London (UCL), na Grã-Bretanha, em 2018. Como aluna da Coppe recebeu em 2010 o Prêmio Capes de melhor tese de doutorado na área Engenharias III, sob a orientação do professor Helcio Orlande, também comtemplado nessa edição do Prêmio Mérito Acadêmico.
Ingressou na Coppe em 2011, como professora adjunta do Programa de Engenharia Mecânica, e em 2013 passou também a integrar o quadro do Programa de Engenharia da Nanotecnologia. Membro filiada da Academia Brasileira de Ciências (ABC) desde 2015, e pesquisadora 1D do CNPq desde 2011, foi contemplada três vezes pelo Programa Jovem Cientista do Nosso Estado da Faperj. Como orientadora, recebeu seis premiações. Entre elas, a Menção Honrosa no Prêmio Capes de Teses, em 2014, na categoria Engenharias III, defendida pelo aluno Diego Campos Knupp; e o II Prêmio Oscar Niemeyer de melhor Projeto Final, concedido pelo Crea, em 2011, de autoria de João Vitor Cabral Ayres.
Atleta na quadra
Carolina mudou-se com a família para Brasília aos três anos de idade. Seu pai, Welinton Naveira e Silva, engenheiro mecânico, trabalhava na Eletronorte, empresa do grupo Eletrobrás. Em Brasília, trocou a praia pelas quadras de vôlei. Apaixonou-se de tal forma pelo esporte, que dos 12 aos 16 anos treinava 7 horas por dia. Em pouco tempo, tornou-se atleta: jogou pelo Minas Brasília Tênis Clube e chegou a integrar a seleção oficial de Brasília, quando o time foi vice-campeão, em 1995. Na época dividia quadra com Paula Pequeno, que mais tarde integraria a seleção brasileira, e Ângela Rebouças Lavalle, campeã de vôlei de praia. As três jogavam no mesmo time.
Embora nesse período tenha mantido bom desempenho na escola, confessa que se dedicava muito mais ao vôlei do que aos estudos. Além das horas de treinamento, corria de 8 a 10 km diariamente. Por pouco, mas por muito pouco mesmo, não fez do vôlei sua profissão. No entanto, alguns fatores a fizeram desistir: a altura, 1,74m, foi uma delas. Na época não existia a função de líbero, o atleta especializado nos fundamentos realizados no fundo da quadra, como recepção e defesa.
“Eu poderia viver do vôlei dando aulas, jogar em outro país, mas sabia que mesmo treinando horas a mais do que uma atleta como a Paula, por exemplo, não jogaria como ela. Embora boa atleta, teria pouca chance de ser escalada para a seleção. E ficar fora do jogo machuca”, desabafa Carolina, com a humildade de quem aprendeu cedo a tomar decisões difíceis e seguir em frente. Basta passar 30 minutos com ela para perceber que não é do tipo que se conforma em ficar no banco de reservas. Amante de desafios, seu perfil é de quem faz parte do time que disputa a taça e quer ser campeão.
Mudança de campo
Aos 16 anos Carolina retornou ao Rio de Janeiro, já decidida a tentar uma vaga na universidade. Teve dificuldade para escolher o que fazer porque como ela mesmo diz: “eu gosto de tudo”. Os testes vocacionais a deixaram ainda mais perdida. Pensou em fazer medicina, mas no final o que prevaleceu mesmo foi a influência do pai, que sempre ressaltou sua aptidão para as ciências exatas. Assim, optou pela Engenharia Mecânica. “Confiei em quem me ama”, afirmou.
Desde então, passou a dedicar aos livros às muitas horas que até então destinava ao vôlei. “Pela primeira vez meu pai disse para eu parar de estudar. Achava que eu não iria aguentar. Para me convencer comparou o vestibular a uma corrida de longa distância”, diverte-se ao lembrar. Mas a única opção possível era passar para universidade pública: UFRJ, UERJ ou UFF. Estudava até duas ou três da manhã e foi assim que passou para as três universidades. Sorte a nossa, optou pela UFRJ, na qual ingressou em 1999. O vôlei perdeu a atleta, a universidade ganhou a pesquisadora.
Já na faculdade, assistiu a palestra do professor Átila Silva Freire no curso Introdução à Engenharia Mecânica. Resolveu procurá-lo. Encantada com o laboratório de Mecânica dos Fluidos, pediu para estagiar no local. Assim, começou a iniciação científica, de forma voluntária e sem bolsa. A influência do Professor Átila foi desde então fundamental na sua vida acadêmica.
Resolveu concorrer para uma vaga de estágio na empresa Transportadora Brasil Bolívia (TGB). Ainda estava no segundo período. Conversou com a amiga, hoje Dra. Mila Avelino, hoje pesquisadora do Inmetro e professora da Uerj, que lhe deu algumas dicas para a entrevista. “Comprei até sapato novo, porque só usava tênis”, comentou. Se as dicas da Mila ajudaram, não se pode garantir, mas o fato é que Carolina foi selecionada para a vaga. Mais tarde, perguntou ao engenheiro que a entrevistou por que a tinha escolhido. “Pelo perfil”, ele disse. “A parte técnica eu poderia lhe ensinar, mas aquela vontade de aprender e ir em frente, não”, confessou.
Foi com essa mesma garra que prestou seu primeiro concurso para a Petrobras, disputando uma vaga de engenheira sem ter concluído a graduação. “Eu já tinha feito aquele tipo de prova muitas vezes, com bom desempenho. Cada questão errada anulava uma certa.”, explicou Carolina, que foi chamada para assumir a vaga quando ainda estava no 7º período da graduação. “Cheguei a fazer os exames clínicos. Tinha tudo, menos o diploma”, brinca com a sabedoria de quem aprende no jogo.
Apesar de buscar uma posição no setor de petróleo e gás, a vocação para a pesquisa não a deixava se afastar das atividades de iniciação científica. Por dois anos, sob orientação do professor Sergio Sphaier, do Programa de Engenharia Oceânica (Peno), estudou problemas de interação fluido-estrutura empregando métodos de transformação integral. Esse estágio com o experiente professor foi essencial para moldar seu interesse pela investigação científica.
A chegada de Victor
Ainda na graduação, Carolina engravidou. Victor Naveira Figueiredo, seu primeiro filho, nasceu em dezembro de 2002. O inesperado não a imobilizou. Decidiu se inscrever em apenas duas disciplinas por semana e passou a levar Victor com ela para a universidade. Ele ainda mamava e não podia perder as refeições. Para isso, contou com o apoio de sua mãe, Sueli Palma Naveira, uma mineira que até hoje não poupa esforços quando o assunto é apoiar as filhas e os netos. “Minha mãe é minha melhor amiga e uma avó insuperável! Ia comigo para a universidade, armava o carrinho e levava Victor para tomar sol, no Centro de Tecnologia, sob um mosquiteiro reforçado”. Eu saía da aula, amamentava, e ela me esperava para voltarmos juntos para casa.
“Victor e minha mãe estiveram sempre presentes nos momentos mais importantes da minha vida”, emociona-se Carolina, que a despeito das circunstâncias conseguiu concluir a graduação em 2004, com uma boa média. Seu trabalho final, sobre o tema “Análise de definições de pontos de bombeamento de gasodutos”, teve como orientador o Prof. Raad Yahya Qassim. Motivada pela carreira acadêmica, resolveu ingressar em 2005 no mestrado do Programa de Engenharia Mecânica da Coppe, sob a orientação do professor Renato Cotta, pelo qual, desde o período da graduação, tinha grande admiração. No convívio diário, não tardou para transformar a admiração e amizade em amor. Victor, na época com dois anos e meio, participou do início do romance, cujo primeiro encontro ‘oficial’ foi em um restaurante no qual Renato costumava dar uma canja no piano. No dia, Nédio Mocellin, um dos proprietários, deu atenção exclusiva a apenas um cliente: Victor, com o qual passou a noite brincando para que o amigo pudesse conversar com Carolina.
“Três meses depois estávamos embarcando para a França, onde Renato tinha um compromisso na Universidade de Reims, e aproveitei para realizar os experimentos do mestrado no laboratório de Termomecânica da Universidade. Passamos janeiro e fevereiro juntos, Victor, eu, Renato, sua filha Bianca e o namorado Carlos Eduardo. Quando retornamos ao Brasil, voltamos diretamente para Niterói, para a mesma casa onde moramos até hoje. Desde então estamos juntos”, relatou Carolina, acrescentando que o amigo Nédio foi convidado e aceitou ser o padrinho de casamento do casal.
Ao concluir o mestrado em 2006, retornou à universidade, um ano depois, dando início ao doutorado, sob a orientação do professor Helcio Orlande, que convidou o professor Renato Cotta para ser o co-orientador. Com dois anos e meio de trabalho, já tinha sua tese praticamente pronta. Mas a trágica perda de Bianca, filha de Renato, e do marido Carlos Eduardo, em um acidente aéreo em maio de 2009, a fez reduzir o ritmo. “Só uma coisa importava: estarmos juntos”, relembrou Carolina, que acabou defendendo sua tese em dezembro de 2009, a qual foi agraciada, no mesmo ano, com o Prêmio Capes na categoria de melhor tese de doutorado na área de Engenharias 3.
Campo iluminado
Em fevereiro de 2010, Carolina e Renato foram presenteados com a chegada de uma menina, cujo nome foi escolhido pelo pai: “vai se chamar Clara, nossa luz na escuridão”. Hoje, com 8 anos, Clara superou as expectativas. Além de iluminar, agita de tal forma a vida de todos que ganhou o apelido de “espoleta”. Para fazer companhia à Clara, encomendaram, um ano depois, o Gabriel, hoje com sete anos. “Eles vivem ‘grudados’, mas são muito diferentes: ela é comunicativa, perspicaz e agitada, ele é tímido, tranquilo e tem muita facilidade para os números.”
No pós-doutorado, iniciado em 2010, novamente sob a orientação do Professor Helcio, Carolina apostou na abertura de uma nova frente de pesquisa. Resolveu estudar Nano e Microfluídica e Microssistemas, uma área à época se iniciando formalmente na Mecânica. Precisava mergulhar no estudo da Nano e Microfluidica. Mapeou quem estudava o tema no país e chegou ao professor Luiz Otávio Saraiva Ferreira, da Unicamp, em Campinas, seu padrinho na área. Luiz Otávio lhe ajudou a montar o laboratório LabMEMS na Coppe, e a orientar os primeiros projetos de fim de curso e testar as novas aplicações.
Após “percorrer o rodízio na quadra e dominar os fundamentos”, Carolina resolveu concorrer a uma vaga para docente do Programa de Engenharia Mecânica da Coppe, no qual ingressou em maio de 2011. “Na universidade gosto de tudo. Sinto uma enorme satisfação quando vejo no olhar de um aluno que ele compreendeu o tema exposto, percebeu a importância daquele conhecimento. O que a gente ensina não é para fazer prova. É para ser usado na engenharia, no trabalho e na vida”, lembra a professora.
Quando lhe perguntam como consegue dar conta de tanta coisa e manter a performance profissional, responde: “não tem mistério, estou sempre plugada”. Trabalha no final de semana, à noite, quando as crianças estão dormindo, e também com elas ao lado. “Estão sempre por perto. Não abrimos mão. Nos períodos mais críticos de trabalho, sempre contamos com a ajuda da minha mãe, Sueli, e da minha sogra, Claudette”.
A rotina da família começa às 6 horas. Victor a desperta antes de ir para a escola e tomam juntos o café da manhã. Passa um breve tempo com Clara e Gabriel e depois segue para a universidade, de onde retorna por volta das 20 horas, evitando assim os períodos de maior transito na Ponte Rio-Niteroi. “Nosso jantar é meio confuso, com todos querendo contar as novidades do dia ao mesmo tempo”.
Carolina adora MPB e nas supostas horas ‘vagas’ toca violão, em geral acompanhada por Victor e Renato, também músicos. Diz que o que mais ama é ficar em casa ou na fazenda da familia. Se pudesse, passaria o final de semana todo curtindo a casa e fazendo o que as crianças querem: piscina, praia, cavalo, churrasco... Embora confesse estar sedentária em relação à atividade física, ensinou Victor a jogar tênis e andar de skate.
Em dezembro a família Cotta retorna de Londres, onde Carolina está fazendo o segundo pós-doutorado, desde 2017, na University College London, UCL. “Clara e Gabriel já estão corrigindo o inglês americano de Renato com seu sotaque britânico”, diverte-se Carolina. Na quadra, como na vida, a atleta da engenharia joga em todas as posições. Do vôlei, restaram boas lembranças, mas ela não se arrepende nem um pouco da escolha que fez. “Se tivesse escolhido o vôlei, não teria conhecido o Renato, o amor da minha vida. Sempre falo para ele: como eu sou uma pessoa de sorte”.
Detlahes da trajetória acadêmica no currículo Lattes.
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Publicado em - 01/11/2018