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/Jacques de Medina: o engenheiro que se descobriu professor
Carioca, nascido em 1925, o professor emérito da Coppe/UFRJ Jacques de Medina formou-se em Engenharia Civil (1947) e em Engenharia Elétrica (1948) pela então Universidade do Brasil, atual UFRJ. Numa época em que poucos saíam do país em busca de novos conhecimentos, ele fez mestrado em Engenharia Civil na Universidade de Purdue, Indiana (EUA), em 1951. Ingressou na Coppe, em 1967, a convite do fundador da instituição, professor Alberto Luiz Coimbra.
Sempre mostrou interesse pela inovação e a renovação. Quando concluiu o mestrado, assumiu a chefia do Laboratório Central do Departamento de Estradas e Rodagens (DER), o qual dirigiu por onze anos, especializando-se em pavimentação. Nesse órgão, montou laboratórios de referência, introduzindo no país os ensaios de carga repetida de solos e misturas asfálticas, e ensaios equivalentes de areia.
Medina se considerava um professor atípico. Ingressou na Coppe, aos 42 anos, como professor do Programa de Engenharia Civil, sem qualquer passagem anterior pelo magistério. Com experiência adquirida como engenheiro e em estágios de aperfeiçoamento no Brasil e no exterior, teve uma trajetória profícua na instituição.
Na Coppe, Medina ajudou a organizar a área de Geotecnia do Programa de Engenharia Civil, já em 1967. Foi responsável pela introdução da disciplina de Mecânica dos Solos, com ênfase em propriedades físico-químicas dos solos. Era o segundo ano consecutivo de chuvas violentas que causaram muitas mortes no Rio de Janeiro. O primeiro coordenador da Geotecnia, o então jovem engenheiro Willy Lacerda, ficou um ano na coordenação, até viajar para o doutorado em Berkeley, na Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos. Medina assumiu o cargo e levou para a área a experiência que acumulara no DNER. Nos anos seguintes, a Coppe ajudou a introduzir no país técnicas que consideram a condição de formação dos solos nacionais, permitindo grande economia nos dimensionamentos e maior durabilidade das estradas. Para isso, muito contribuiu o estudo de físico-química dos solos. Introduzida por Medina, essa disciplina colocou a Coppe na dianteira dos estudos de geotecnia ambiental.
Como reconhecimento pela sua atuação na Coppe, em 1996 o Laboratório de Geotecnia foi batizado com o nome de Medina. Seu livro Mecânica dos pavimentos, cuja atualização da última edição foi por ele mesmo coordenada, é até hoje uma referência na área.
Pioneirismo e gosto pela inovação
No fim da década de 1970, uma época em que quase não se debatiam questões ambientais no Brasil, o professor apresentou à Finep um projeto para mapear resíduos com potencial de uso em obras de engenharia. O projeto não foi aprovado, mas o perfil de pessoa antenada ficou, mais uma vez, registrado. Foi esse gosto pela inovação e a pesquisa que levaram o fundador da Coppe, Alberto Luiz Galvão Coimbra, a convidá-lo, apesar da inexperiência de magistério.
Na verdade, seu vínculo com Coimbra começou antes mesmo de a instituição ter sido criada. Desde 1935, ainda adolescentes, foram colegas no Colégio Anglo-Americano, no Rio. “Acho que não decepcionei meu amigo de infância. Sei também que fiz parte de uma conspiração do Coimbra para encher a Coppe de botafoguenses”, brinca.
Aposentado desde 1994, Medina atuava até há pouco tempo como consultor, e pode contabilizar seus feitos como docente e pesquisador: criou disciplinas, montou laboratórios de referência, introduziu novos métodos numéricos, formou grupos de pesquisa de prestígio nacional e, no geral, ajudou a mudar o cenário da pavimentação de estradas no Brasil.
É autor de mais de 110 publicações, sendo 26 internacionais e 15 em congressos internacionais realizados no Brasil. Na Coppe, orientou sete teses de doutorado e 20 dissertações de mestrado. Recebeu o reconhecimento de “Notório Saber” pelo Conselho Federal de Educação do MEC e pelo Conselho de Ensino para Graduados da UFRJ. Foi contemplado com o Prêmio Terzaghi, concedido pela Associação Brasileira de Mecânica dos Solos, e com Honra ao Mérito e Homenagem Especial, da Associação Brasileira de Pavimentação. Também é autor do livro “Mecânica dos Pavimentos”, uma referência na área que teve uma segunda edição publicada com a co-autoria da professora Laura da Motta.
“Acho que não decepcionei o meu amigo de infância. Sei também que fiz parte de uma conspiração do Coimbra, a de encher a Coppe de botafoguenses”, brinca.
Formação e experiência
Para a Coppe, Medina trouxe a experiência adquirida ao longo dos anos no trabalho e nos estudos. Fez estágio de aperfeiçoamento no Laboratório Central de “Ponts et Haussées”, nos laboratórios regionais de Autun, Rouen, St. Quentin, Angers, e St. Brieuc, e no “Centre Experimental de Recherches et d’etudes du Bâtiment et des Travaux Publics” (1958); em Técnicas Rodoviárias no “Bureau Central d’Êtudes pour lês Équipements d’Outre-Mer”, e nos laboratórios de obras públicas de Dakar, no Senegal, e Abijan, na Costa do Marfim (1958).
O mestrado nos EUA foi decisivo em sua carreira. O curso levava em consideração as particularidades do lugar para a construção de estradas: geografia, geologia, clima. “É assim que deve ser feito”, dizia Medina, em 2008, lamentando que no Brasil ainda não houvesse nada similar. Ele torcia para que essa linha fosse seguida nos cursos brasileiros. O tema rendeu três teses de doutorado na Coppe, e um ex-aluno da professora Laura implantou a metodologia nos cursos do Instituto Militar de Engenharia (IME).
Considerado uma liderança na área de geotecnia e pavimentação, Medina costumava destacar que a disciplina de Mecânica dos Solos era um diferencial da Coppe em relação a outros cursos de pós-graduação de geotecnia no país, facilitando o estabelecimento da área interdisciplinar de geotecnia ambiental anos depois.
Na Coppe, o convívio com os companheiros de Laboratório de Geotecnia era um motivo de alegria. Costumava ressaltar a importância e o esforço dos técnicos do laboratório. “Prezo muito o trabalho nem sempre valorizado dos técnicos de laboratório e de campo. Muitos estudavam à noite, formaram-se engenheiros, fizeram mestrado e até doutorado.” Tinha também um carinho especial pela ex-aluna Laura da Motta, que integra o corpo docente do Programa de Engenharia Civil da Coppe. “Tenho a Laura como uma filha. Devo muito a ela, que talvez nem saiba o quanto foi importante para mim”, declarou o professor.
Filho único, Medina considerava-se uma pessoa de sorte. Estudou em boas escolas e contou com o incentivo dos pais, Gregório de Medina Jr. e Helene Laporte Medina. Ele português e ela francesa, vieram para o Brasil em 1918. “Meu pai era comerciante, trabalhava com móveis, mas tinha mais veia artística do que de comerciante. Tinha uma grande coleção de livros de arte e história”. Quando o pai faleceu, Medina doou os livros do pai para a Biblioteca Central da UFRJ. A mesma generosidade teve ao doar para a Marinha do Brasil as ilustrações de fortes e pertencentes à família.
Medina casou-se com Lia Velloso Medina, com quem teve dois filhos, Rafael e Rodrigo. Seu interesse pela leitura transcendia sua área de atuação. Nas últimas décadas, buscava cada vez mais entender os problemas do país lendo autores como Sérgio Buarque, Josué de Castro, Celso Furtado, Darcy Ribeiro, entre outros. Costumava também, por meio da literatura, ‘conviver com poetas’, como Manuel Bandeira e Fernando Pessoa.
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Publicado em - 11/01/2019
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Atualizado em - 11/01/2019