/Segurança Não É Bolinho

Data: 
16/09/1999
Autor: 
*Domício Proença Júnior

Subitamente, o tema da segurança nacional irrompeu no cotidiano dos brasileiros, mais habituados à discussão econômica. As Farc põem em xeque a tradicional simpatia brasileira com movimentos de independência e ameaçam fragmentar um país vizinho. Há suspeita de que as Farc se abasteçam ou até atuem no Brasil. A narcoguerrilha e a entrada na agenda da possibilidade de intervenção armada revelam a necessidade de considerações de segurança e uso de força que sempre se julgou distantes do Brasil.

De uma hora para outra, vemo-nos diante da necessidade de decidir sobre a entrada em combate, ou não, de forças brasileiras. Ao sul, a Argentina traz à luz o pleito de se tornar membro da Otan, acenando com uma mudança substantiva no ambiente de segurança do Atlântico Sul.

A paz em Jogo. Diante de tais questionamentos, o hábito brasileiro de querer soluções simples e de entender a paz como sendo o resultado da defesa estrita do território contra a agressão se revela insuficiente.

Note-se bem, o que está em jogo é sempre a paz. É pela paz que se vai à guerra. Ao contrário do que possa parecer, isso não é uma contradição.

O propósito de toda guerra é a paz. O que está em jogo é qual paz. A guerra é a continuação da política, acrescida dos meios violentos. É um ato de força para dobrar outros à nossa vontade. Seja para coagi-los a fazer o que queremos, seja para resistir a quem queira nos obrigar a fazer o que não queremos. A guerra não substitui a política. Ao contrário, a guerra é a política armada.

Muitas coisas têm lugar no mundo que, por motivos políticos, não são chamadas de guerras, embora o sejam: crises, incidentes, intervenções, missões de paz. Há aspectos ainda menos visíveis, mas nem por isso menos reais - há questões da competência da Agência Nacional de Vigilância Sanitária que são de segurança nacional.

A força adequeada. A discussão da segurança (inter)nacional, materializada numa política de defesa, é parte do todo das política de defesa, é parte do todo das políticas do País, consistente com suas posições internas e externas. Quanto e como gastar com segurança?. É necessário decidir sobre o gasto de defesa levando em conta todos os fatores da vida nacional. Um Ministério da Defesa revela-se essencial para que se possa Ter um juízo articulado sobre o que é politicamente necessário e adequado. Então pode-se tratar das Forças Armadas.

As Forças Armadas existem para que possamos combater com expectativa de sucesso: seja o combate concreto, derrotando as forças inimigas (a negação); seja o combate virtual, fazendo que um ato de força contra nós seja avaliado como aventureiro ou improdutivo e não ocorra (a dissuasão).

As Forças Armadas são o acervo intelectual e material onde estão os meios de força e a capacidade de articulá-los e conduzi-los em prol de nossos interesses. Há forças de diferentes tipos refletindo a busca de desempenho superior pela especialização: Marinha, Exército e Força Aérea, cada uma com diferentes armas (porta-aviões, infantaria e caças, por exemplo). A questão é como dispor das forças que julgamos adequadas.

A diversidade das especialidades das forças exige um esforço continuado para a sua integração. A especialização exagerada pode fragmentar as forças, enfraquecendo o seu conjunto ou onerando o País. É necessário lidar, sempre, com a mudança: modernizar e atualizar a s forças. Não se trata de um arranjo estático, mas de um processo dinâmico, aberto a questionamentos.

Gerenciar o Risco. Esse processo busca conciliar o investimento e o preparo para o futuro com a sustentação de capacidades combatentes desde o presente. Busca ainda as vantagens das economias de escala e escopo. É necessário gerenciar o risco, aceitando alguma fraqueza no futuro imediato em troca de força mais adequada em prazos maiores. Isso exige pessoal, organizações e sistemas cuja especialidade é a integração das diversas especialidades e a avaliação das alternativas disponíveis.

Essa visão integrada é que permite que se discuta a dimensão e aprioridade entre as diversas forças e armas, construindo uma política e um orçamento de defesa realistas do ponto de vista técnico. Estas considerações apontam para pertinência de quadros de alto nível, capazes de integrar os pontos de vista político e técnico, avaliar alternativas e apoiar a tomada de decisão.

Um Ministério de Defesa é a instância natural para a concentração dessas competências, articulando-as em prol da segurança. Será necessário identificar as formas da qualificação, os percursos de carreira e a organização dos militares e, especialmente, dos civis que irão compor os quadros permanentes do Ministério da Defesa.

Vive-se hoje um exemplo de como a questão da segurança pode irromper em nossas vidas e demandar alternativas e respostas que necessitam de anos para serem produzidas. O Ministério da Defesa é bem mais do que o administrador da defesa nacional. Deve Ter a vocação de ser o centro do enquadramento integrado das políticas nacionais e das Forças Armadas em prol da nossa segurança.

*Professor do Programa de Engenharia de Produção, Coordenador do Grupo de Estudos Estratégicos (GEE) e membro do International Institute os Strategic Studies (ISS, Londres). Publicou recentemente o "Guia de Estudos de Estratégia (Jorge Zahar Ed.) e "Política de Defesa no Brasil: Uma Análise Crítica"(Ed. UnB).