/Tratamento de água do século passado

Data: 
23/01/2020
Autor: 
Márcia Dezotti e Geraldo Lippel - profs. Programa de Engenharia Química da Coppe/UFRJ

Causou-nos surpresa a demora da Cedae em informar à população o motivo pelo qual a água fornecida pela empresa às residências apresentava coloração barrenta, turbidez, odor e sabor. Mais surpreendente ainda é a combinação de mananciais poluídos com técnicas de tratamento insuficientes. Como obter água potável de qualidade a partir de tratamento de água cuja concepção é de meados do século passado?

Pela relevância do tema em pauta, consideramos esta uma oportunidade para discutirmos o que há mais de uma década vem sendo alertado por pesquisadores que trabalham com tratamento de água e de efluentes, cujos estudos revelam a presença de substâncias químicas distintas nos esgotos e nas águas superficiais e subterrâneas. Provenientes de pesticidas, fragrâncias, fármacos, produtos de higiene pessoal, essas substâncias, também conhecidas como poluentes emergentes, não são adequadamente removidos pelas estações de tratamento de esgoto, poluindo nossos rios e oceanos. Algumas delas também apresentam também atividade estrogênica, com consequentes danos à saúde humana e animal. Outras levam ao desenvolvimento de bactéricas resistentes a antibióticos. 

Nos países reconhecidos pelo bom desempenho no tratamento da água, as empresas de abastecimento adotam em suas estações o conceito de múltiplas barreiras, de modo a remover esses poluentes e garantir a qualidade da água fornecida à população. Diversas etapas de tratamento foram adicionadas às tradicionais (filtração, floculação, sedimentação e cloração), como a filtração em membranas, a adsorção em carvão ativado, a irradiação UV e a ozonização, entre outras. Essas novas etapas de tratamento passaram a ser utilizadas de modo a atender aos novos critérios de potabilidade da água, os quais devem ser objeto de revisões periódicas em função da presença de novos poluentes.

No que se refere ao tratamento de esgoto, o anacronismo é ainda mais espantoso. Processos de tratamento utilizados ainda hoje no Estado do Rio de Janeiro  são das décadas de 1960 e 1970. É preciso levar em conta que a composição do esgoto doméstico hoje é distinta, bem como são mais rigorosas as exigências de qualidade de tratamento. Nas pesquisas que realizamos no Laboratório de Controle de Poluição das Águas da Coppe/UFRJ constatamos cada vez mais a presença desses poluentes. Embora ainda em baixa quantidade, essas substâncias são nocivas à saúde humana. Portanto, novos processos devem ser introduzidos, com urgência, nas estações de tratamento de esgoto, a fim de assegurar a remoção dos poluentes a patamares seguros.  O velho jargão “é preciso coletar e tratar o esgoto” ficou no passado, assim como as antigas técnicas de tratamento. Hoje, a questão é coletar e tratar com muito mais eficiência, e com o real propósito de proteção da vida humana, dos nossos rios, lagos e oceanos.

Lamentamos a falta de interesse de parte das empresas de saneamento em acompanhar o debate e soluções obtidas a partir do desenvolvimento científico e tecnológico. Conhecemos os problemas e desafios; temos competência técnica e científica, e os custos repassados à sociedade são cada vez maiores: o que falta para assegurar à população água de qualidade e tratamento de esgoto adequado?

* Publicado no Globo online, em 14/01/2020.